CAPÍTULO II
DAS PENAS E GOZOS FUTUROS
1.
O nada. Vida futura. — 2. Intuição das penas e gozos futuros. — 3.
Intervenção de Deus nas penas e recompensas.
— 4. Natureza das penas e
gozos futuros. — 5. Penas temporais. — 6. Expiação e arrependimento.
—
7. Duração das penas futuras. — 8. Paraíso, inferno e purgatório.
O Nada. Vida futura.
958. Por que tem o homem, instintivamente, horror ao nada?
“Porque o nada não existe.”
959. Donde nasce, para o homem, o sentimento instintivo da vida futura?
“Já dissemos: antes de encarnar, o Espírito conhecia todas essas
coisas, e a alma conserva vaga lembrança do que sabe e do que viu no
estado espiritual.” (393.)
Em todos os tempos o homem se
preocupou com o seu futuro para lá do túmulo, e isso é muito natural.
Qualquer que seja a importância que ligue à vida presente, não pode ele
furtar-se a considerar quanto essa vida é curta e, sobretudo, precária,
pois que a cada instante está sujeita a interromper-se, nenhuma certeza
lhe sendo permitida acerca do dia seguinte. Que será dele, após o
instante fatal? Questão grave esta, porquanto não se trata de alguns
anos apenas, mas da eternidade. Aquele que tem de passar longo tempo em
país estrangeiro se preocupa com a situação em que lá se achará. Como,
então, não nos havia de preocupar a em que nos veremos, deixando este
mundo, uma vez que é para sempre?
A ideia do nada tem qualquer
coisa que repugna à razão. O homem que mais despreocupado seja durante a
vida, em chegando o momento supremo pergunta a si mesmo o que vai ser
dele, e involuntariamente nutre esperança.
Crer em Deus sem
admitir a vida futura seria um contrassenso. O sentimento de uma
existência melhor reside no foro íntimo de todos os homens e não é
possível que Deus aí o tenha colocado em vão.
A vida futura
implica a conservação da nossa individualidade após a morte. Com efeito,
que nos importaria sobreviver ao corpo, se a nossa essência moral
houvesse de perder-se no oceano do infinito? As consequências, para nós,
seriam as mesmas que se tivéssemos de nos sumir no nada.
Intuição das penas e gozos futuros.
960. Donde se origina a crença, com que deparamos entre todos os povos, na existência de penas e recompensas porvindouras?
“É sempre a mesma coisa: pressentimento da realidade, trazido ao homem
pelo Espírito nele encarnado. Porque, sabei-o bem, não é debalde que
uma voz interior vos fala. O vosso erro consiste em não lhe prestardes
bastante atenção. Melhores vos tornaríeis, se nisso pensásseis bem, e
com frequência.”
961. Qual o sentimento que domina a maioria dos homens no momento da morte: a dúvida, o temor, ou a esperança?
“A dúvida, nos céticos empedernidos; o temor, nos culpados; a esperança, nos homens de bem.”
962. Como pode haver céticos, uma vez que a alma traz ao homem o sentimento das coisas espirituais?
“Eles são em número menor do que se julga. Muitos se fazem de
espíritos fortes, durante a vida, somente por orgulho. No momento da
morte, porém, deixam de ser tão fanfarrões.”
A responsabilidade
dos nossos atos é a consequência da realidade da vida futura. Dizem-nos a
razão e a justiça que, na partilha da felicidade a que todos aspiram,
não podem estar confundidos os bons e os maus. Não é possível que Deus
queira que uns gozem, sem trabalho, de bens que outros só alcançam com
esforço e perseverança.
A ideia que, mediante a sabedoria de
suas leis, Deus nos dá de sua justiça e de sua bondade, não nos permite
acreditar que o justo e o mau estejam na mesma categoria a seus olhos,
nem duvidar de que recebam, algum dia, um a recompensa, o castigo o
outro, pelo bem ou pelo mal que tenham feito. Por isso é que o
sentimento inato que temos da justiça nos dá a intuição das penas e
recompensas futuras.
Intervenção de Deus nas penas e recompensas.
963. Com
cada homem, individualmente, Deus se ocupa? Não é ele muito grande e
nós muito pequeninos para que cada indivíduo em particular tenha, a seus
olhos, alguma importância?
“Deus se ocupa com todos os seres que criou, por mais pequeninos que sejam. Nada, para sua bondade, é pequeno demais.”
964. Mas
será necessário que Deus atente em cada um dos nossos atos, para nos
recompensar ou punir? Esses atos não são, na sua maioria,
insignificantes para ele?
“Deus tem suas leis a regerem
todas as vossas ações. Se as violais, vossa é a culpa. Indubitavelmente,
quando um homem comete um excesso qualquer, Deus não profere contra ele
um julgamento, dizendo-lhe, por exemplo: Foste guloso, vou punir-te.
Ele traçou um limite; as enfermidades e muitas vezes a morte são a
consequência dos excessos. Eis aí a punição; é o resultado da infração
da lei. Assim em tudo.”
Todas as nossas ações estão submetidas às leis de Deus. Nenhuma há, por mais insignificante que nos pareça,
que não possa ser uma violação daquelas leis. Se sofremos as
consequências dessa violação, só nos devemos queixar de nós mesmos, que
desse modo nos fazemos os causadores da nossa felicidade ou da nossa
infelicidade futuras.
Esta verdade se torna evidente por meio do apólogo seguinte:
“Um pai deu a seu filho educação e instrução, isto é, os meios de se
guiar. Cede-lhe um campo para que o cultive e lhe diz: Aqui estão a
regra que deves seguir e todos os instrumentos necessários a tornares
fértil este campo e assegurares a tua existência. Dei-te a instrução,
para compreenderes esta regra. Se a seguires, teu campo produzirá muito e
te proporcionará o repouso na velhice. Se a desprezares, nada produzirá
e morrerás de fome. Dito isso, deixa-o proceder livremente.”
Não é verdade que esse campo produzirá na razão dos cuidados que forem
dispensados ao seu cultivo, e que toda negligência redundará em prejuízo
da colheita? Na velhice, portanto, o filho será ditoso, ou desgraçado,
conforme haja seguido ou não a regra que seu pai lhe traçou. Deus ainda é
mais previdente, pois que nos adverte, a cada instante, de que estamos
fazendo bem ou mal. Envia-nos os Espíritos para nos inspirarem, porém
não os escutamos. Há mais esta diferença: Deus faculta sempre ao homem,
concedendo-lhe novas existências, recursos para reparar seus erros
passados, enquanto ao filho de quem falamos, se empregou mal o seu
tempo, nenhum recurso resta.
Natureza das penas e gozos futuros.
965. Têm alguma coisa de material as penas e gozos da alma depois da morte?
“Não podem ser materiais, diz o bom-senso, pois que a alma não é
matéria. Nada têm de carnal essas penas e gozos; entretanto, são mil
vezes mais vivos do que os que experimentais na Terra, porque o
Espírito, uma vez liberto, é mais impressionável. Então, já a matéria
não lhe embota as sensações.” (237–257.)
966. Por que das penas e gozos da vida futura faz o homem, muitas vezes, tão grosseira e absurda ideia?
“Inteligência que ainda não se desenvolveu suficientemente. Compreende
a criança as coisas como o adulto? Isso, ao demais, depende também do
que se lhe ensinou: aí é que há necessidade de uma reforma.
“Muito incompleta é a vossa linguagem para exprimir o que está fora de
vós. Teve-se então que recorrer a comparações e tomaste como realidade
as imagens e figuras que serviram para essas comparações. À medida,
porém, que o homem se instrui, melhor vai compreendendo o que a sua
linguagem não pode exprimir.”
967. Em que consiste a felicidade dos Espíritos bons?
“Em conhecerem todas as coisas; em não sentirem ódio, nem ciúme, nem
inveja, nem ambição, nem qualquer das paixões que ocasionam a desgraça
dos homens. O amor que os une lhes é fonte de suprema felicidade. Não
experimentam as necessidades, nem os sofrimentos, nem as angústias da
vida material. São felizes pelo bem que fazem. Contudo, a felicidade dos
Espíritos é proporcional à elevação de cada um. Somente os Espíritos
puros gozam, é exato, da felicidade suprema, mas nem todos os outros são
infelizes. Entre os maus e os perfeitos há uma infinidade de graus em
que os gozos são relativos ao estado moral. Os que já estão bastante
adiantados compreendem a ventura dos que os precederam e aspiram a
alcançá-la. Mas esta aspiração lhes constitui uma causa de emulação, não
de inveja. Sabem que deles depende o consegui-la e para a conseguirem
trabalham, porém com a calma da consciência tranquila, e ditosos se
consideram por não terem que sofrer o que sofrem os maus.”
968. Citais,
entre as condições da felicidade dos Espíritos bons, a ausência das
necessidades materiais. Mas a satisfação dessas necessidades não
representa para o homem uma fonte de gozos?
“Sim, gozo do animal. Quando não podes satisfazer a essas necessidades, passas por uma tortura.”
969. Que se deve entender quando é dito que os Espíritos puros se acham reunidos no seio de Deus e ocupados em lhe entoar louvores?
“É uma alegoria indicativa da inteligência que eles têm das perfeições
de Deus, porque o veem e compreendem, mas que, como muitas outras, não
se deve tomar ao pé da letra. Tudo na natureza, desde o grão de areia,
canta, isto é, proclama o poder, a sabedoria e a bondade de Deus. Não
creias, todavia, que os Espíritos bem-aventurados estejam em
contemplação por toda a eternidade. Seria uma bem-aventurança estúpida e
monótona. Seria, além disso, a felicidade do egoísta, porquanto a
existência deles seria uma inutilidade sem-termo. Estão isentos das
tribulações da vida corpórea: já é um gozo. Depois, como dissemos,
conhecem e sabem todas as coisas; dão útil emprego à inteligência que
adquiriram, auxiliando os progressos dos outros Espíritos. Essa a sua
ocupação, que ao mesmo tempo é um gozo.”
970. Em que consistem os sofrimentos dos Espíritos inferiores?
“São tão variados como as causas que os determinaram, e proporcionais
ao grau de inferioridade, como os gozos o são ao de superioridade. Podem
resumir-se assim: invejarem o que lhes falta para ser felizes e não o
obterem; verem a felicidade e não a poderem alcançar; pesar, ciúme,
raiva, desesperança quanto ao que os impede de ser ditosos; remorsos,
ansiedade moral indefinível. Desejam todos os gozos e não os podem
satisfazer: eis o que os tortura.”
971. É sempre boa a influência que os Espíritos exercem uns sobre os outros?
“Sempre boa, está claro, da parte dos Espírito bons. Os Espíritos
perversos, esses procuram desviar da senda do bem e do arrependimento os
que lhes parecem suscetíveis de se deixarem levar e que são, muitas
vezes, os que eles mesmos arrastaram ao mal durante a vida terrena.”
a) — Assim, a morte não nos livra da tentação?
“Não, mas a ação dos maus Espíritos é sempre bem menor sobre os outros
Espíritos do que sobre os homens, porque lhes falta o auxílio das
paixões materiais.” (996.)
972. Como procedem os maus Espíritos para tentar os outros Espíritos, não podendo jogar com as paixões?
“As paixões não existem materialmente, mas existem no pensamento dos
Espíritos atrasados. Os maus dão pasto a esses pensamentos, conduzindo
suas vítimas aos lugares onde se lhes ofereça o espetáculo daquelas
paixões e de tudo o que as possa excitar.”
a) — Mas, de que servem essas paixões, se já não têm objeto real?
“Nisso precisamente é que lhes está o suplício: o avarento vê ouro que
lhe não é dado possuir; o devasso, orgias em que não pode tomar parte; o
orgulhoso, honras que lhe causam inveja e de que não pode gozar."
973. Quais os sofrimentos maiores a que os Espíritos maus se veem sujeitos?
“Não há descrição possível das torturas morais que constituem a
punição de certos crimes. Mesmo o Espírito que as sofre teria
dificuldade em vos dar delas uma ideia. Indubitavelmente, porém, a mais
horrível consiste em pensar que está condenado sem remissão.”
Das penas e gozos da alma após a morte forma o homem ideia mais ou menos
elevada, conforme o estado de sua inteligência. Quanto mais ele se
desenvolve, tanto mais essa ideia se apura e se escoima da matéria;
compreende as coisas de um ponto de vista mais racional, deixando de
tomar ao pé da letra as imagens de uma linguagem figurada. Ensinando-nos
que a alma é um ser todo espiritual, a razão, mais esclarecida, nos
diz, por isso mesmo, que ela não pode ser atingida pelas impressões que
apenas sobre a matéria atuam. Não se segue, porém, daí que esteja isenta
de sofrimentos, nem que não receba o castigo de suas faltas. (237.)
As comunicações espíritas têm como resultado mostrar o estado futuro
da alma, não mais em teoria, porém na realidade. Põem-nos diante dos
olhos todas as peripécias da vida de além-túmulo. Ao mesmo tempo,
entretanto, no-las mostram como consequências perfeitamente lógicas da
vida terrestre e, embora despojadas do aparato fantástico que a
imaginação dos homens criou, não são menos aflitivas, para os que
fizeram mau uso de suas faculdades. Infinita é a variedade dessas
consequências. Mas, em tese geral, pode-se dizer: cada um é punido por
aquilo em que pecou. Assim é que uns o são pela visão incessante do mal
que fizeram; outros, pelo pesar, pelo temor, pela vergonha, pela dúvida,
pelo insulamento, pelas trevas, pela separação dos entes que lhes são
caros, etc.
974. Donde procede a doutrina do fogo eterno?
“Imagem tomada como realidade, como tantas outras.”
a) — Mas o temor desse fogo não produzirá bom resultado?
“Vede se serve de freio, mesmo entre os que o ensinam. Se ensinardes
coisas que mais tarde a razão venha a repelir, causareis uma impressão
que não será duradoura, nem salutar.”
Impotente para, na sua
linguagem, definir a natureza daqueles sofrimentos, o homem não
encontrou comparação mais enérgica do que a do fogo, pois, para ele, o
fogo é o tipo do mais cruel suplício e o símbolo da ação mais vigorosa.
Por isso é que a crença no fogo eterno data da mais remota antiguidade,
tendo-a os povos modernos herdado dos mais antigos. Por isso também é
que o homem diz, em sua linguagem figurada: o fogo das paixões; abrasar
de amor, de ciúme, etc.
975. Os Espíritos inferiores compreendem a felicidade do justo?
“Sim, e isso lhes é um suplício, porque compreendem que estão dela
privados por sua culpa. Daí resulta que o Espírito, liberto da matéria,
aspira à nova vida corporal, pois que cada existência,
se for bem empregada,
abrevia um tanto a duração desse suplício. É então que procede à
escolha das provas por meio das quais possa expiar suas faltas. Porque,
ficai sabendo, o Espírito sofre por todo o mal que praticou, ou de que
foi causa voluntária, por todo o bem que teria podido fazer e não fez,
e por todo o mal que decorra de não haver feito o bem.
“Para o Espírito errante já não há véus. Ele se acha como tendo saído de um nevoeiro e vê o que o distancia da felicidade. Mais sofre então, porque compreende quanto foi culpado. Não tem mais ilusões: vê as coisas na sua realidade.”
Na erraticidade, o Espírito descortina, de um lado, todas as suas
existências passadas; de outro, o futuro que lhe está prometido e
percebe o que lhe falta para atingi-lo. É qual viajor que chega ao cume
de uma montanha: vê o caminho que percorreu e o que lhe resta percorrer,
a fim de chegar ao fim da sua jornada.
976.
O espetáculo dos sofrimentos dos Espíritos inferiores não constitui,
para os bons, uma causa de aflição e, nesse caso, que fica sendo a
felicidade deles, se é assim turbada?
“Não constitui motivo
de aflição, pois que sabem que o mal terá fim. Auxiliam os outros a se
melhorarem e lhes estendem as mãos. Essa a ocupação deles, ocupação que
lhes proporciona gozo quando são bem sucedidos.”
a) — Isto
se concebe da parte de Espíritos estranhos ou indiferentes. Mas o
espetáculo das tristezas e dos sofrimentos daqueles a quem amaram na
Terra não lhes perturba a felicidade?
“Se não vissem esses
sofrimentos, é que eles vos seriam estranhos depois da morte. Ora, a
religião vos diz que as almas vos veem. Mas elas consideram de outro
ponto de vista os vossos sofrimentos. Sabem que estes são úteis ao vosso
progresso, se os suportardes com resignação. Afligem-se, portanto,
muito mais com a falta de ânimo que vos retarda, do que com os
sofrimentos considerados em si mesmos, todos passageiros.”
977. Não podendo os Espíritos ocultar reciprocamente seus pensamentos, e sendo conhecidos todos os atos da vida, dever-se-á concluir que o culpado está perpetuamente em presença de sua vítima?
“Não pode ser de outro modo, diz o bom-senso.”
a) — Serão
um castigo para o culpado essa divulgação de todos os nossos atos
reprováveis e a presença constante dos que deles foram vítimas?
“Maior do que se pensa, mas tão somente até que o culpado tenha
expiado suas faltas, quer como Espírito, quer como homem, em novas
existências corpóreas.”
Quando nos achamos no mundo dos
Espíritos, estando patente todo o nosso passado, o bem e o mal que
houvermos feito serão igualmente conhecidos. Em vão aquele que haja
praticado o mal tentará escapar ao olhar de suas vítimas: a presença
inevitável destas lhe será um castigo e um remorso incessante, até que
haja expiado seus erros, ao passo que o homem de bem por toda parte só
encontrará olhares amigos e benevolentes.
Para o mau, não há
maior tormento, na Terra, do que a presença de suas vítimas, razão pela
qual as evita continuamente. Que será quando, dissipada a ilusão das
paixões, compreender o mal que fez, vir patenteados os seus atos mais
secretos, desmascarada a sua hipocrisia e não puder subtrair-se à visão
delas? Enquanto a alma do homem perverso é presa da vergonha, do pesar e
do remorso, a do justo goza perfeita serenidade.
978. A
lembrança das faltas que a alma, quando imperfeita, tenha cometido, não
lhe turba a felicidade, mesmo depois de se haver purificado?
“Não, porque resgatou suas faltas e saiu vitoriosa das provas a que se submetera para esse fim.”
979.
Não serão, para a alma, causa de penosa apreensão, que lhe altera a
felicidade, as provas por que ainda tenha de passar para acabar a sua
purificação?
“Para a alma ainda maculada, são. Daí vem que
ela não pode gozar de felicidade perfeita, senão quando esteja
completamente pura. Para aquela, porém, que já se elevou, nada tem de
penoso o pensar nas provas que ainda haja de sofrer.”
A alma
que chegou a um certo grau de pureza já experimenta a felicidade.
Domina-a um sentimento de grata satisfação. Sente-se feliz por tudo o
que vê, por tudo o que a cerca. Levantasse-lhe o véu que encobria os
mistérios e as maravilhas da Criação, e as perfeições divinas em todo o
esplendor lhe aparecem.
980. O laço de simpatia que une os Espíritos da mesma ordem constitui para eles uma fonte de felicidade?
“Os Espíritos entre os quais há recíproca simpatia para o bem
encontram na sua união um dos maiores gozos, visto que não receiam
vê-la turbada pelo egoísmo. Formam, no mundo inteiramente espiritual,
famílias pela identidade de sentimentos, consistindo nisso a felicidade
espiritual, do mesmo modo que no vosso mundo vos grupais em categorias e
experimentais certo prazer quando vos achais reunidos. Na afeição pura e
sincera que cada um vota aos outros e de que é por sua vez objeto, têm
eles um manancial de felicidade, porquanto lá não há falsos amigos, nem
hipócritas.”
Das primícias dessa felicidade goza o homem na
Terra, quando se lhe deparam almas com as quais pode confundir-se numa
união pura e santa. Em uma vida mais purificada, inefável e ilimitado
será esse gozo, pois aí ele só encontrará almas simpáticas,
que o egoísmo não tornará frias. Na natureza, tudo é amor: o egoísmo é que o mata.
981. Com
relação ao estado futuro do Espírito, haverá diferença entre um que, em
vida, teme a morte e outro que a encara com indiferença e mesmo com
alegria?
“Muito grande pode ser a diferença. Entretanto,
apaga-se com frequência em face das causas determinantes desse temor ou
desse desejo. Quer a tema, quer a deseje, pode o homem ser propelido por
sentimentos muito diversos e são estes sentimentos que influem no
estado do Espírito. É evidente, por exemplo, que naquele que deseja a
morte unicamente porque vê nela o termo de suas tribulações há uma
espécie de queixa contra a Providência e contra as provas que lhe cumpre
suportar.”
982. Será necessário que
professemos o Espiritismo e creiamos nas manifestações espíritas para
termos assegurada a nossa sorte na vida futura?
“Se assim
fosse, seguir-se-ia que estariam deserdados todos os que não creem, ou
que não tiveram ensejo de esclarecer-se, o que seria absurdo. Só o bem
assegura a sorte futura. Ora, o bem é sempre o bem, qualquer que seja o
caminho que a ele conduza.” (165–799.)
A crença no Espiritismo
ajuda o homem a se melhorar, firmando-lhe as ideias sobre certos pontos
atinentes ao futuro. Apressa o adiantamento dos indivíduos e das massas,
porque faculta nos inteiremos do que seremos um dia. É um ponto de
apoio, uma luz que nos guia. O Espiritismo ensina o homem a suportar as
provas com paciência e resignação; afasta-o dos atos que possam
retardar-lhe a felicidade, mas ninguém diz que, sem ele, não possa ela
ser conseguida.
Penas temporais.
983.
Não experimenta sofrimentos materiais o Espírito que expia suas faltas
em nova existência? Será então exato dizer-se que, depois da morte, só
há para a alma sofrimentos morais?
“É bem verdade que,
quando a alma está reencarnada, as tribulações da vida são-lhe um
sofrimento; mas só o corpo sofre materialmente.
“Falando de
alguém que morreu, costumais dizer que não mais sofrerá. Nem sempre isto
exprime a realidade. Como Espírito, está isento de dores físicas;
dependendo, porém, das faltas que tenha cometido, pode estar sujeito a
dores morais mais agudas, e pode vir a ser ainda mais desgraçado em nova
existência. O mau rico terá que pedir esmola e se verá a braços com
todas as privações oriundas da miséria; o orgulhoso, com todas as
humilhações; o que abusa de sua autoridade e trata com desprezo e dureza
os seus subordinados se verá forçado a obedecer a um superior mais
ríspido do que ele o foi. Todas as penas e tribulações da vida são
expiação das faltas de outra existência, quando não a consequência das
da vida atual. Logo que daqui houverdes saído, compreendê-lo-eis. (273,
393 e 399.)
“O homem que se considera feliz na Terra porque
pode satisfazer às suas paixões é o que menos esforços emprega para se
melhorar. Muitas vezes começa a expiação desses prazeres efêmeros já
nessa mesma vida, mas certamente os expiará noutra existência tão
material quanto aquela.”
984. As vicissitudes da vida são sempre a punição das faltas atuais?
“Não; já dissemos: são provas impostas por Deus, ou que vós mesmos
escolhestes como Espíritos, antes de encarnardes, para expiação das
faltas cometidas em outra existência, porque jamais fica impune a
infração das leis de Deus e, sobretudo, da lei de justiça. Se não for
punida nesta existência, sê-lo-á necessariamente noutra. Eis por que um,
que vos parece justo, muitas vezes sofre. É a punição do seu passado.”
(393.)
985. Constitui recompensa a reencarnação da alma em um mundo menos grosseiro?
“É a consequência de sua depuração, porquanto à medida que se depuram,
os Espíritos passam a encarnar em mundos cada vez mais perfeitos, até
que se tenham despojado totalmente da matéria e lavado de todas as
impurezas, para eternamente gozarem da felicidade dos Espíritos puros,
no seio de Deus.”
Nos mundos onde a existência é menos material
do que neste, menos grosseiras são as necessidades e menos agudos os
sofrimentos físicos. Lá os homens não mais conhecem as paixões más que,
nos mundos inferiores, os fazem inimigos uns dos outros. Nenhum motivo
tendo de ódio, ou de ciúme, vivem em paz, porque praticam a lei de
justiça, amor e caridade. Não conhecem os aborrecimentos e cuidados que
nascem da inveja, do orgulho e do egoísmo, causas do tormento da nossa
existência terrestre. (172–182.)
986. Pode o Espírito que progrediu em sua existência terrena reencarnar alguma vez no mesmo mundo?
“Sim, desde que não tenha logrado concluir a sua missão; pode ele
próprio pedir lhe seja dado completá-la em nova existência. Mas, então,
já não constituirá para ele uma expiação.” (173.)
987. Que sucede ao homem que, não fazendo o mal, também nada faz para libertar-se da influência da matéria?
“Pois que nenhum passo dá para a perfeição, tem que recomeçar uma
existência de mesma natureza que a precedente. Fica estacionário,
podendo assim prolongar os sofrimentos da expiação.”
988. Há
pessoas cuja vida se escoa em perfeita calma; que, nada precisando
fazer por si mesmas, se conservam isentas de cuidados. Provará essa
existência ditosa que elas nada têm que expiar de existência anterior?
“Conheces muitas dessas pessoas? Enganas-te, se pensas que as há em
grande número. Não raro, a calma é apenas aparente. Talvez elas tenham
escolhido tal existência, mas, quando a deixam, percebem que não lhes
serviu para progredirem. Então, como o preguiçoso, lamentam o tempo
perdido. Sabei que o Espírito não pode adquirir conhecimentos e
elevar-se senão pela atividade. Se adormece na indolência, não se
adianta. Assemelha-se a um que (segundo os vossos usos) precisa
trabalhar e que vai passear ou deitar-se, com a intenção de nada fazer.
Sabei
também que cada um terá que dar contas da inutilidade voluntária da sua
existência, inutilidade sempre fatal à felicidade futura. Para cada
homem, a soma dessa felicidade futura está na razão da soma do bem que
tenha feito; e a soma de infelicidade, na do mal que haja praticado, e
do número daqueles a quem haja desgraçado.”
989. Pessoas
há que, embora não sejam positivamente más, tornam infelizes, pelos
seus caracteres, todos os que as cercam. Que consequências lhes advirão
disso?
“Inquestionavelmente, essas pessoas não são boas.
Expiarão seu proceder pela visão daqueles a quem infelicitaram,
valendo-lhes isso por uma expropriação. Depois, noutra existência,
sofrerão o que fizeram sofrer.”
Expiação e arrependimento.
990. O arrependimento se dá no estado corporal ou no estado espiritual?
“No estado espiritual; mas também pode ocorrer no estado corporal, quando bem compreendeis a diferença entre o bem e o mal.”
991. Qual a consequência do arrependimento no estado espiritual?
“Desejar o arrependido uma nova encarnação para se purificar. O
Espírito compreende as imperfeições que o privam de ser feliz e por isso
aspira a uma nova existência em que possa expiar suas faltas.”
(332–975.)
992. Que consequência produz o arrependimento no estado corporal?
“Fazer que, já na vida atual,
o Espírito progrida, se tiver tempo de reparar suas faltas. Quando a
consciência o exprobra e lhe mostra uma imperfeição, o homem pode sempre
melhorar-se.”
993. Não há homens que só têm o instinto do mal e são inacessíveis ao arrependimento?
“Já te disse que todo Espírito tem que progredir incessantemente.
Aquele que, nesta vida, só tem o instinto do mal, terá noutra o do bem
e é para isso que renasce muitas vezes,
pois preciso é que todos progridam e atinjam a meta. A diferença está
somente em que uns gastam mais tempo do que outros, porque assim o
querem. Aquele que só tem o instinto do bem já se purificou, visto que
talvez tenha tido o do mal em anterior existência.” (894.)
994. O homem perverso que não reconheceu suas faltas durante a vida sempre as reconhece depois da morte?
“Sempre as reconhece e, então, mais sofre, porque sente em si todo o mal que praticou,
ou de que foi voluntariamente causa. Contudo, o arrependimento nem
sempre é imediato. Há Espíritos que se obstinam em permanecer no mau
caminho, não obstante os sofrimentos por que passam. Porém, cedo ou
tarde, reconhecerão errada a senda que tomaram, e o arrependimento virá.
Para esclarecê-los trabalham os Espíritos bons e também vós podeis
trabalhar.”
995. Haverá Espíritos que, sem serem maus, se conservem indiferentes à sua sorte?
“Há Espíritos que não se ocupam de nada útil. Estão na espera. Mas,
nesse caso, sofrem proporcionalmente. Devendo em tudo haver progresso,
neles o progresso se manifesta pela dor.”
a) — Não desejam esses Espíritos abreviar seus sofrimentos?
“Desejam-no, sem dúvida, mas falta-lhes energia bastante para quererem
o que os poderia aliviar. Quantos indivíduos se contam, entre vós, que
preferem morrer de miséria a trabalhar?”
996. Pois
que os Espíritos veem o mal que lhes resulta de suas imperfeições, como
se explica que haja os que agravam suas situações e prolongam o estado
de inferioridade em que se encontram, fazendo o mal como Espíritos,
afastando do bom caminho os homens?
“Assim procedem os de
tardio arrependimento. Pode também acontecer que, depois de se haver
arrependido, o Espírito se deixe arrastar de novo para o caminho do mal,
por outros Espíritos ainda mais atrasados.” (971.)
997. Veem-se
Espíritos de notória inferioridade acessíveis aos bons sentimentos e
sensíveis às preces que por eles se fazem. Como se explica que outros
Espíritos,
que acreditaríamos mais esclarecidos, revelem um endurecimento e um cinismo dos quais coisa alguma consegue triunfar?
“A prece só tem efeito sobre o Espírito que se arrepende. Com relação
aos que, impelidos pelo orgulho, se revoltam contra Deus e persistem nos
seus desvarios, chegando mesmo a exagerá-los, como o fazem alguns
desgraçados Espíritos, a prece nada pode e nada poderá, senão no dia em
que um clarão de arrependimento se produza neles.” (664.)
Não se
deve perder de vista que o Espírito não se transforma subitamente, após
a morte do corpo. Se viveu vida condenável, é porque era imperfeito.
Ora, a morte não o torna imediatamente perfeito. Pode, pois, persistir
em seus erros, em suas falsas opiniões, em seus preconceitos, até que se
haja esclarecido pelo estudo, pela reflexão e pelo sofrimento.
998. A expiação se cumpre no estado corporal ou no estado espiritual?
“A expiação se cumpre, durante a existência corporal, mediante as
provas a que o Espírito se acha submetido e, na vida espiritual, pelos
sofrimentos morais inerentes ao estado de inferioridade do Espírito.”
999. Basta o arrependimento sincero durante a vida para que as faltas do Espírito se apaguem e ele ache graça diante de Deus?
“O arrependimento concorre para a melhoria do Espírito, mas ele tem que expiar o seu passado.”
a) — Se,
diante disto, um criminoso dissesse que, cumprindo-lhe, em todo caso,
expiar o seu passado, nenhuma necessidade tem de se arrepender, que é o
que daí lhe resultaria?
“Tornar-se mais longa e mais penosa a sua expiação, desde que ele se torne obstinado no mal.”
1000. Já desde esta vida poderemos ir resgatando as nossas faltas?
“Sim, reparando-as. Mas não creiais que as resgateis mediante algumas
privações pueris, ou distribuindo em esmolas o que possuirdes, depois
que morrerdes, quando de nada mais precisais. Deus não dá valor a um
arrependimento estéril, sempre fácil e que apenas custa o esforço de
bater no peito. A perda de um dedo mínimo, quando se esteja prestando um
serviço, apaga mais faltas do que o cilício suportado durante anos, com
objetivo exclusivamente
pessoal. (726.)
"Só por meio do bem se repara o mal, e a reparação nenhum mérito apresenta se não atinge o homem nem no seu orgulho, nem nos seus interesses materiais.
"De que serve, para sua justificação, que restitua, depois de morrer,
os bens mal adquiridos, quando se lhe tornaram inúteis e deles tirou
todo o proveito?
"De que lhe serve privar-se de alguns gozos
fúteis, de algumas superfluidades, se permanece integral o dano que
causou a outrem?
"De que lhe serve, finalmente, humilhar-se diante de Deus, se, perante os homens, conserva o seu orgulho?” (720–721.)
1001. Nenhum mérito haverá em assegurarmos, para depois de nossa morte, emprego útil aos bens que possuímos?
“Nenhum mérito
não é o termo. Isso sempre é melhor do que nada. A desgraça, porém, é
que aquele que só depois de morto dá é quase sempre mais egoísta do que
generoso. Quer ter o fruto do bem, sem o trabalho de praticá-lo. Duplo
proveito tira aquele que, em vida, se priva de alguma coisa: o mérito do
sacrifício e o prazer de ver felizes os que lhe devem a felicidade. Mas
lá está o egoísmo a dizer-lhe: O que dás tiras aos teus gozos. Então,
como o egoísmo fala mais alto do que o desinteresse e a caridade, o
homem guarda o que possui, pretextando suas necessidades pessoais e as
exigências da sua posição! Ah! Lastimai aquele que desconhece o prazer
de dar; acha-se verdadeiramente privado de um dos mais puros e suaves
gozos. Submetendo-o à prova da riqueza, tão escorregadia e perigosa para
o seu futuro, houve Deus por bem conceder-lhe, como compensação, a
ventura da generosidade, de que já neste mundo pode gozar.” (814.)
1002. Que
deve fazer aquele que, chegando a hora da morte, reconhece suas faltas,
quando já não tem tempo de as reparar? Basta-lhe nesse caso
arrepender-se?
“O arrependimento lhe apressa a
reabilitação, mas não o absolve. Diante dele não se desdobra o futuro,
que jamais se lhe fecha?”
Duração das penas futuras.
1003.
É arbitrária ou sujeita a alguma lei a duração dos sofrimentos do culpado, na vida futura? “Deus nunca obra caprichosamente, e tudo, no universo, se rege por leis, em que a sua sabedoria e a sua bondade se revelam.”
1004.
Em que se baseia a duração dos sofrimentos do culpado?
“No tempo necessário a que se melhore. Sendo o estado de sofrimento ou
de felicidade proporcional ao grau de purificação do Espírito, a
duração e a natureza de seus sofrimentos dependem do tempo que ele gaste
em melhorar-se. À medida que progride e que os sentimentos se lhe
depuram, seus sofrimentos diminuem e mudam de natureza.”
SÃO LUÍS.
1005.
Ao Espírito sofredor, o tempo se afigura tão ou menos longo do que quando estava vivo?
“Parece-lhe, antes, mais longo: para ele não existe o sono. Só para os
Espíritos que já chegaram a certo grau de purificação é que o tempo,
por assim dizer, se apaga diante do infinito.” (240.)
1006.
Podem durar eternamente os sofrimentos do Espírito?
“Não há dúvida de que se ele pudesse ser eternamente mau, isto é, se
jamais se arrependesse e melhorasse, sofreria eternamente. Mas Deus não
criou seres tendo por destino permanecerem votados perpetuamente ao mal.
Apenas os criou a todos simples e ignorantes, tendo todos, no entanto,
que progredir em tempo mais ou menos longo, conforme decorrer da vontade
de cada um. Mais ou menos tardia pode ser a vontade, do mesmo modo que
há crianças mais ou menos precoces, porém, cedo ou tarde, ela aparece,
por efeito da irresistível necessidade que o Espírito sente de sair da
inferioridade e de se tornar feliz. Eminentemente sábia e magnânima é,
pois, a lei que rege a duração das penas, porquanto subordina essa
duração aos esforços do Espírito. Jamais o priva do seu livre-arbítrio:
se deste faz ele mau uso, sofre as consequências.”
SÃO LUÍS.
1007.
Haverá Espíritos que nunca se arrependem?
“Há Espíritos de arrependimento muito tardio; pretender-se, porém, que
nunca se melhorarão seria negar a lei do progresso, como alguém que
dissesse que a criança não pode tornar-se adulto.”
SÃO LUÍS.
1008.
Depende sempre da vontade do Espírito a duração das penas? Algumas não haverá que lhe sejam impostas por tempo determinado?
“Sim, ao Espírito podem ser impostas penas por determinado tempo; mas
Deus, que só quer o bem de suas criaturas, acolhe sempre o
arrependimento, e infrutífero jamais fica o desejo que o Espírito
manifeste de se melhorar.”
SÃO LUÍS.
1009.
Assim, as penas impostas jamais o são por toda a eternidade?
“Interrogai o vosso bom senso, a vossa razão, e perguntai-lhes se uma
condenação perpétua, motivada por alguns momentos de erro, não seria a
negação da bondade de Deus. Que é, com efeito, a duração da vida, ainda
quando de cem anos, em face da eternidade? Eternidade! Compreendeis bem
esta palavra? Sofrimentos, torturas sem-fim, sem esperanças, por causa
de algumas faltas! O vosso juízo não repele semelhante ideia? Que os
antigos tenham considerado o senhor do universo um Deus terrível, cioso e
vingativo, concebe-se. Na ignorância em que se achavam, atribuíam à
divindade as paixões dos homens. Esse, todavia, não é o Deus dos
cristãos, que classifica como virtudes primordiais o amor, a caridade, a
misericórdia, o esquecimento das ofensas. Poderia ele carecer das
qualidades, cuja posse prescreve, como um dever, às suas criaturas? Não
haverá contradição em se lhe atribuir a bondade infinita e a vingança
também infinita? Dizeis que, acima de tudo, ele é justo e que o homem
não lhe compreende a justiça. Mas a justiça não exclui a bondade, e ele
não seria bom se condenasse a eternas e horríveis penas a maioria das
suas criaturas. Teria o direito de fazer da justiça uma obrigação para
seus filhos, se lhes não desse meio de compreendê-la? Aliás, no fazer
que a duração das penas dependa dos esforços do culpado não está toda a
sublimidade da justiça unida à bondade? Aí é que se encontra a verdade
desta sentença: “A cada um segundo as suas obras.”
SANTO AGOSTINHO.
“Aplicai-vos, por todos os meios
ao vosso alcance, em combater, em aniquilar a ideia da eternidade das
penas, ideia blasfematória da justiça e da bondade de Deus, e a mais
abundante fonte da incredulidade, do materialismo e da indiferença que
invadiram as massas humanas desde que as inteligências começaram a
desenvolver-se. O Espírito, prestes a esclarecer-se, ou mesmo apenas
desbastado, logo lhe apreendeu a monstruosa injustiça. Sua razão a
repele e, então, raro é que não englobe no mesmo repúdio a pena que o
revolta e o Deus a quem a atribui. Daí os males sem conta que têm
desabado sobre vós e aos quais vimos trazer remédio. Tanto mais fácil
será a tarefa que vos apontamos, quanto é certo que as autoridades em
quem se apoiam os defensores de tal crença evitaram todas pronunciar-se
formalmente a respeito. Nem os concílios, nem os Pais da Igreja deram
por encerrada essa grave questão. Muito embora, segundo os Evangelistas e
tomadas ao pé da letra as palavras emblemáticas do Cristo, ele tenha
ameaçado os culpados com um fogo que se não extingue, com um fogo
eterno, absolutamente nada se encontra nas suas palavras capaz de provar
que os haja condenado
eternamente.
“Pobres ovelhas desgarradas, aprendei a ver aproximar-se de vós o bom
Pastor, que, longe de vos banir para todo o sempre de sua presença, vem
pessoalmente ao vosso encontro, para vos reconduzir ao aprisco. Filhos
pródigos, deixai o vosso voluntário exílio; encaminhai vossos passos
para a morada paterna. O Pai vos estende os braços e está sempre pronto a
festejar o vosso regresso ao seio da família.”
LAMENNAIS.
“Guerras de palavras! Guerras de
palavras! Ainda não basta o sangue que tendes feito correr! Será ainda
preciso que se reacendam as fogueiras? Discutem sobre as expressões:
eternidade das penas,
eternidade dos castigos. Ignorais então que o que hoje entendeis por
eternidade
não é o que os antigos entendiam? Consulte o teólogo as fontes e lá
descobrirá, como todos vós, que o texto hebreu não atribuía ao vocábulo
que os gregos, os latinos e os modernos traduziram por
penas sem-fim, irremissíveis a
mesma significação. Eternidade dos castigos corresponde à eternidade do
mal. Sim, enquanto existir o mal entre os homens, os castigos
subsistirão. Importa que os textos sagrados se interpretem no sentido
relativo. A eternidade das penas é, pois, relativa e não absoluta.
Chegue o dia em que todos os homens, pelo arrependimento, se revistam da
túnica da inocência e desde esse dia deixará de haver gemidos e ranger
de dentes. Limitada tendes, é certo, a vossa razão humana, porém, tal
como a tendes, ela é uma dádiva de Deus e, com auxílio dessa razão,
nenhum homem de boa-fé haverá que de outra forma compreenda a eternidade
dos castigos. Penas eternas! Pois quê! seria necessário, então,
admitir-se por eterno o mal. Somente Deus é eterno e não poderia ter
criado o mal eterno; do contrário, forçoso seria tirar-se-lhe o mais
magnífico dos seus atributos: o soberano poder, porquanto não é
soberanamente poderoso aquele que cria um elemento destruidor de suas
obras. Humanidade! Humanidade! Não mergulhes mais os teus tristes
olhares nas profundezas da Terra, procurando aí os castigos. Chora,
espera, expia e refugia-te na ideia de um Deus intrinsecamente bom,
absolutamente poderoso, essencialmente justo.”
PLATÃO.
“Gravitar para a unidade divina, eis o fim
da humanidade. Para atingi-lo, três coisas são necessárias: a justiça, o
amor e a ciência. Três coisas lhe são opostas e contrárias: a
ignorância, o ódio e a injustiça. Pois bem: digo-vos, em verdade, que
mentis a esses princípios fundamentais, comprometendo a ideia de Deus,
com o lhe exagerardes a severidade. Duplamente a comprometeis, deixando
que no Espírito da criatura penetre a suposição de que há nela mais
clemência, mais mansuetude, amor e verdadeira justiça, do que atribuis
ao Ser Infinito. Destruís mesmo a ideia do inferno, tornando-o ridículo e
inadmissível às vossas crenças, como o é aos vossos corações o horrendo
espetáculo das execuções, das fogueiras e das torturas da Idade Média!
Pois quê! Quando banida se acha para sempre das legislações humanas a
era das cegas represálias, é que esperais mantê-la no ideal? Oh!
Crede-me, crede-me, irmãos em Deus e em Jesus Cristo, crede-me: ou vos
resignais a deixar que pereçam nas vossas mãos todos os vossos dogmas,
de preferência a que se modifiquem, ou, então, revivificai-os,
abrindo-os aos benfazejos eflúvios que os Bons, neste momento, derramam
neles. A ideia do inferno, com as suas fornalhas ardentes, com as suas
caldeiras a ferver, pôde ser tolerada, quer dizer, era perdoável num
século de ferro; porém no século dezenove não passa de vão fantasma,
próprio, quando muito, para amedrontar criancinhas; e mesmo estas,
crescendo um pouco, logo deixam de crer nela. Se persistirdes nessa
mitologia aterradora, engendrareis a incredulidade, mãe de toda a
desorganização social. Tremo, entrevendo toda uma ordem social abalada e
a ruir sobre os seus fundamentos, por falta de sanção penal. Homens de
fé ardente e viva, vanguardeiros do dia da luz, mãos à obra, não para
manter fábulas que envelheceram e se desacreditaram, mas para reavivar,
revivificar a verdadeira sanção penal, sob formas condizentes com os
vossos costumes, os vossos sentimentos e as luzes da vossa época.
“Quem é, com efeito, o culpado? É aquele que, por um desvio, por um
falso movimento da alma, se afasta do objetivo da criação, que consiste
no culto harmonioso do belo, do bem, idealizados pelo arquétipo humano,
pelo Homem Deus, por Jesus Cristo.
“Que é o castigo? A
consequência natural, derivada desse falso movimento; uma certa soma de
dores necessária a desgostá-lo da sua deformidade, pela experimentação
do sofrimento. O castigo é o aguilhão que estimula a alma, pela
amargura, a se dobrar sobre si mesma e a buscar o porto de salvação. O
castigo só tem por fim a reabilitação, a redenção. Querê-lo eterno, por
uma falta não eterna, é negar-lhe toda a razão de ser.
“Oh! Em
verdade vos digo, cessai, cessai de pôr em paralelo, na sua eternidade, o
Bem, essência do Criador, com o Mal, essência da criatura. Seria criar
uma penalidade injustificável. Afirmai, ao contrário, o abrandamento
gradual dos castigos e das penas pelas transmigrações e consagrareis a
unidade divina, por meio da razão unida ao sentimento.”
PAULO, APÓSTOLO.
Com o atrativo de
recompensas e temor de castigos, procura-se estimular o homem para o bem
e desviá-lo do mal. Se esses castigos, porém, lhe são apresentados de
forma que a sua razão se recuse a admiti-los, nenhuma influência terão
sobre ele. Longe disso; rejeitará tudo: a forma e o fundo. Se, ao
contrário, lhe apresentarem o futuro de maneira lógica, ele não o
repelirá. O Espiritismo lhe dá essa explicação.
A doutrina da
eternidade das penas, em sentido absoluto, faz do Ente Supremo um Deus
implacável. Seria lógico dizer-se, de um soberano, que ele é muito bom,
muito magnânimo, muito indulgente, que só quer a felicidade dos que o
cercam, mas que ao mesmo tempo é cioso, vingativo, de inflexível rigor e
que pune com o castigo extremo as três quartas partes dos seus súditos,
por uma ofensa, ou uma infração de suas leis, mesmo quando praticada
pelos que não as conheciam? Não haveria aí contradição? Ora, pode Deus
ser menos bom do que o seria um homem?
Mais uma contradição se
apresenta aqui: pois que Deus tudo sabe, sabia, ao criar uma alma, que
ela viria a falir. Teria, pois, desde a sua formação, sido destinada à
desgraça eterna. Será isto possível, racional? Com a doutrina das penas
relativas, tudo se justifica. Deus sabia, sem dúvida, que ela faliria,
mas lhe deu meios de se instruir pela sua própria experiência, mediante
suas próprias faltas. É necessário que expie seus erros, para melhor se
firmar no bem, mas a porta da esperança não se lhe fecha para sempre e
Deus faz que, dos esforços que ela empregue para o conseguir, dependa a
sua redenção. Isto toda gente pode compreender e a mais meticulosa
lógica pode admitir. Menos céticos haveria, se deste ponto de vista
fossem apresentadas as penas futuras.
Na linguagem vulgar, a palavra eterno
é muitas vezes empregada figuradamente, para designar uma coisa de
longa duração, cujo termo não se prevê, embora se saiba muito bem que
esse termo existe. Dizemos, por exemplo,
os gelos eternos das altas montanhas, ou dos polos,
embora saibamos, de um lado, que o mundo físico pode ter fim e, de
outro lado, que o estado dessas regiões pode mudar pelo deslocamento
natural do eixo da Terra, ou por um cataclismo. Assim, nesse caso, o
vocábulo
eterno não quer dizer perpétuo ao infinito.
Quando sofremos de uma enfermidade duradoura, dizemos que o nosso mal é
eterno. Que há, pois, de admirar em que Espíritos que sofrem há anos,
há séculos, há milênios mesmo, assim também se exprimam? Não esqueçamos,
principalmente, que, não lhes permitindo a sua inferioridade divisar o
ponto extremo do caminho, creem que terão de sofrer sempre, o que lhes é
uma punição.
Ademais, a doutrina do fogo material, das
fornalhas e das torturas, tomadas ao Tártaro do paganismo, está hoje
completamente abandonada pela alta teologia e só nas escolas esses
aterradores quadros alegóricos ainda são apresentados como verdades
positivas, por alguns homens mais zelosos do que esclarecidos, que assim
cometem grave erro, porquanto as imaginações juvenis, libertando-se dos
terrores, poderão ir aumentar o número dos incrédulos. A teologia
reconhece hoje que a palavra
fogo é usada
figuradamente e que se deve entender como significando fogo moral (974).
Os que têm acompanhado, como nós, as peripécias da vida e dos
sofrimentos de além-túmulo, através das comunicações espíritas, puderam
convencer-se de que, por nada terem de material, eles não são menos
pungentes. Mesmo relativamente à duração, alguns teólogos começam a
admiti-la no sentido restritivo acima indicado e pensam que, com efeito,
a palavra
eterno se pode referir às penas
em si mesmas, como consequência de uma lei imutável, e não à sua
aplicação a cada indivíduo. No dia em que a religião admitir esta
interpretação, assim como algumas outras também decorrentes do progresso
das luzes, muitas ovelhas desgarradas reunirá.
Ressurreição da carne.
1010.
O dogma da ressurreição da carne será a consagração da reencarnação ensinada pelos Espíritos?
“Como quereríeis que fosse de outro modo? Conforme sucede com tantas
outras, essas palavras só parecem despropositadas, no entender de
algumas pessoas, porque as tomam ao pé da letra. Levam, por isso, à
incredulidade. Dai-lhes uma interpretação lógica e os que chamais livres
pensadores as admitirão sem dificuldades, precisamente pela razão de
que refletem. Porque, não vos enganeis, esses livres pensadores o que
mais pedem e desejam é crer. Têm, como os outros, ou, talvez, mais que
os outros, a sede do futuro, mas não podem admitir o que a Ciência
desmente. A doutrina da pluralidade das existências é consentânea com a
justiça de Deus; só ela explica o que, sem ela, é inexplicável. Como
havíeis de pretender que o seu princípio não estivesse na própria
religião?”
a) —
Assim, pelo dogma da ressurreição da carne a própria Igreja ensina a doutrina da reencarnação?
“É evidente. Ademais, essa doutrina decorre de muitas coisas que têm
passado despercebidas e que dentro em pouco se compreenderão neste
sentido. Reconhecer-se-á em breve que o Espiritismo ressalta a cada
passo do próprio texto das Escrituras Sagradas. Os Espíritos, portanto,
não vêm subverter a religião, como alguns o pretendem. Vêm, ao
contrário, confirmá-la, sancioná-la por provas irrecusáveis. Como,
porém, são chegados os tempos de não mais empregarem linguagem figurada,
eles se exprimem sem alegorias e dão às coisas sentido claro e preciso,
que não possa estar sujeito a qualquer interpretação falsa. Eis por
que, daqui a algum tempo, será maior do que é hoje o número de pessoas
sinceramente religiosas e crentes.”
SÃO LUÍS.
Efetivamente, a Ciência
demonstra a impossibilidade da ressurreição, segundo a ideia vulgar. Se
os despojos do corpo humano se conservassem homogêneos, embora dispersos
e reduzidos a pó, ainda se conceberia que pudessem reunir-se em dado
momento. As coisas, porém, não se passam assim. O corpo é formado de
elementos diversos: o oxigênio, hidrogênio, azoto, carbono, etc. Pela
decomposição, esses elementos se dispersam, mas para servir à formação
de novos corpos, de tal sorte que uma mesma molécula, de carbono, por
exemplo, terá entrado na composição de muitos milhares de corpos
diferentes (falamos unicamente dos corpos humanos, sem ter em conta os
dos animais); que um indivíduo tem talvez em seu corpo moléculas que já
pertenceram a homens das primitivas idades do mundo; que essas mesmas
moléculas orgânicas que absorveis nos alimentos provêm, possivelmente,
do corpo de tal outro indivíduo que conhecestes e assim por diante.
Existindo em quantidade definida a matéria e sendo indefinidas as suas
combinações, como poderia cada um daqueles corpos reconstituir-se com os
mesmos elementos? Há aí impossibilidade material. Racionalmente, pois,
não se pode admitir a ressurreição da carne, senão como uma figura
simbólica do fenômeno da reencarnação. E, então, nada mais há que aberre
da razão, que esteja em contradição com os dados da Ciência.
É exato que, segundo o dogma, essa ressurreição só no fim dos tempos se
dará, ao passo que, segundo a doutrina espírita, ocorre todos os dias.
Mas no quadro do julgamento final não haverá uma grande e bela imagem a
ocultar, sob o véu da alegoria, uma dessas verdades imutáveis, acerca
das quais deixará de haver céticos, desde que lhes seja restituída a
verdadeira significação? Dignem-se de meditar a teoria espírita sobre o
futuro das almas e sobre a sorte que lhes cabe, por efeito das
diferentes provas que lhes cumpre sofrer, e verão que, exceção feita da
simultaneidade, o juízo que as condena ou absolve não é uma ficção, como
pensam os incrédulos. Notemos ainda que essa teoria é a consequência
natural da pluralidade dos mundos, hoje perfeitamente admitida, enquanto
que a doutrina do juízo final pressupõe que a Terra seja o único mundo
habitado.
Paraíso, inferno e purgatório.
1012 [1011].
Haverá no universo lugares circunscritos para as penas e gozos dos Espíritos, segundo seu merecimento?*
“Já respondemos a essa pergunta. As penas e os gozos são inerentes ao
grau de perfeição dos Espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio de
sua felicidade ou de sua desgraça. E como eles estão por toda parte,
nenhum lugar circunscrito ou fechado existe especialmente destinado a
uma ou outra coisa. Quanto aos encarnados, esses são mais ou menos
felizes ou desgraçados, conforme seja mais ou menos adiantado o mundo em
que habitam.”
*
Nota dos Revisores: Note-se que, na numeração dos itens do livro, Kardec salteou o n.° 1011. Apesar do lapso evidente, o texto foi mantido assim em quatorze edições que se seguiram até a desencarnação de Allan Kardec. Para evitar confusões, a presente edição não procurou “acertar” a numeração.
a) —
De acordo, então, com o que vindes de dizer, o inferno e o paraíso não existem, tais como o homem os imagina?
“São simples alegorias: por toda parte há Espíritos ditosos e
desditosos. Entretanto, conforme também já dissemos, os Espíritos de uma
mesma ordem se reúnem por simpatia; mas podem reunir-se onde queiram,
quando são perfeitos.”
A localização absoluta das regiões das penas e das recompensas só na imaginação do homem existe. Provém da sua tendência a materializar e circunscrever as coisas, cuja essência infinita não lhe é possível compreender. 1013 [1012].
Que se deve entender por purgatório
?
“Dores físicas e morais: o tempo da expiação. Quase sempre, na Terra é
que fazeis o vosso purgatório e que Deus vos obriga a expiar as vossas
faltas.”
O que o homem chama purgatório
é igualmente uma alegoria, devendo-se entender como tal, não um lugar
determinado, porém o estado dos Espíritos imperfeitos que se acham em
expiação até alcançarem a purificação completa, que os levará à
categoria dos Espíritos bem-aventurados. Operando-se essa purificação
por meio das diversas encarnações, o purgatório consiste nas provas da
vida corporal.
1014 [1013].
Como se explica
que Espíritos, cuja superioridade se revela na linguagem de que usam,
tenham respondido a pessoas muito sérias, a respeito do inferno e do
purgatório, de conformidade com as ideias correntes?
“É que
falam uma linguagem que possa ser compreendida pelas pessoas que os
interrogam. Quando estas se mostram imbuídas de certas ideias, eles
evitam chocá-las muito bruscamente, a fim de lhes não ferir as
convicções. Se um Espírito dissesse a um muçulmano, sem precauções
oratórias, que Maomé não foi profeta, seria muito mal acolhido.”
a) —
Concebe-se
que assim procedam os Espíritos que nos querem instruir. Como, porém,
se explica que, interrogados acerca da situação em que se achavam,
alguns Espíritos tenham respondido que sofriam as torturas do inferno ou
do purgatório?
“Quando são inferiores e ainda não
completamente desmaterializados, os Espíritos conservam uma parte de
suas ideias terrenas e, para dar suas impressões, se servem dos termos
que lhes são familiares. Acham-se num meio que só imperfeitamente lhes
permite sondar o futuro.
"Essa a causa de alguns Espíritos errantes, ou recém-desencarnados, falarem como o fariam se estivessem encarnados.
Inferno se pode traduzir por uma vida de provações, extremamente dolorosa, com a
incerteza de haver outra melhor;
purgatório,
por uma vida também de provações, mas com a consciência de melhor
futuro. Quando experimentas uma grande dor, não costumas dizer que
sofres como um danado? Tudo isso são apenas palavras, e sempre ditas em
sentido figurado.”
1015 [1014].
Que se deve entender pela expressão uma alma a penar
?
“Uma alma errante e sofredora, incerta de seu futuro, e à qual podeis
proporcionar o alívio que muitas vezes solicita, vindo comunicar-se
convosco.” (664.)
1016 [1015].
Em que sentido se deve entender a palavra céu
?
“Julgas que seja um lugar, como os Campos Elíseos dos antigos, onde
todos os Espíritos bons estão promiscuamente aglomerados, sem outra
preocupação que a de gozar, pela eternidade toda, de uma felicidade
passiva? Não; é o espaço universal; são os planetas, as estrelas e todos
os mundos superiores, onde os Espíritos gozem plenamente de suas
faculdades, sem as tribulações da vida material, nem as angústias
peculiares à inferioridade.”
1017 [1016].
Alguns Espíritos disseram estar habitando o quarto, o quinto céus, etc. Que queriam dizer com isso?
“Se lhes perguntais que céu habitam, é que formais ideia de muitos
céus dispostos como os andares de uma casa. Eles, então, respondem de
acordo com a vossa linguagem. Mas por estas palavras
quarto e
quinto céus exprimem
diferentes graus de purificação e, por conseguinte, de felicidade. É
exatamente como quando se pergunta a um Espírito se está no inferno. Se
for desgraçado, dirá
sim, porque, para ele,
inferno é sinônimo de sofrimento. Sabe, porém, muito bem que não é uma fornalha. Um pagão diria estar no
Tártaro.”
O mesmo ocorre com outras expressões análogas, tais como: cidade das flores, cidade dos eleitos, primeira, segunda ou terceira esfera,
etc., que apenas são alegorias usadas por alguns Espíritos, quer como
figuras, quer, algumas vezes, por ignorância da realidade das coisas, e
até das mais simples noções científicas.
De acordo com a ideia
restrita que se fazia outrora dos lugares das penas e das recompensas
e, sobretudo, de acordo com a opinião de que a Terra era o centro do
universo, de que o firmamento formava uma abóbada e que havia uma região
das estrelas,
o céu era situado no alto e o inferno em baixo. Daí as expressões: subir ao céu, estar no mais alto dos céus, ser precipitado nos infernos.
Hoje, que a Ciência demonstrou ser a Terra apenas, entre tantos milhões
de outros, uns dos menores mundos, sem importância especial; que traçou
a história da sua formação e lhe descreveu a constituição; que provou
ser infinito o espaço, não haver alto nem baixo no universo, teve-se que
renunciar a situar o céu acima das nuvens e o inferno nos lugares
inferiores. Quanto ao purgatório, nenhum lugar lhe fora designado.
Estava reservado ao Espiritismo dar de tudo isso a explicação mais
racional, mais grandiosa e, ao mesmo tempo, mais consoladora para a
humanidade. Pode-se assim dizer que trazemos em nós mesmos o nosso
inferno e o nosso paraíso. O purgatório, achamo-lo na encarnação, nas
vidas corporais ou físicas.
1018 [1017].
Em que sentido se devem entender estas palavras do Cristo: Meu reino não é deste mundo?
“Respondendo assim, o Cristo falava em sentido figurado. Queria dizer
que o seu reinado se exerce unicamente sobre os corações puros e
desinteressados. Ele está onde quer que domine o amor do bem. Mas os
homens ávidos das coisas deste mundo e apegados aos bens da Terra com
ele não estão.”
1019 [1018].
Poderá algum dia implantar-se na Terra o reinado do bem?
“O bem reinará na Terra quando, entre os Espíritos que a vêm habitar,
os bons predominarem, porque, então, farão que aí reinem o amor e a
justiça, fonte do bem e da felicidade. Por meio do progresso moral e
praticando as leis de Deus é que o homem atrairá para a Terra os
Espíritos bons e dela afastará os maus. Estes, porém, não a deixarão,
senão quando daí estejam banidos o orgulho e o egoísmo.
“Predita foi a transformação da humanidade e vos avizinhais do momento
em que se dará, momento cuja chegada apressam todos os homens que
auxiliam o progresso. Essa transformação se verificará por meio da
encarnação de Espíritos melhores, que constituirão na Terra uma geração
nova. Então, os Espíritos dos maus, que a morte vai ceifando dia a dia, e
todos os que tentem deter a marcha das coisas, serão daí excluídos,
pois que viriam a estar deslocados entre os homens de bem, cuja
felicidade perturbariam. Irão para mundos novos, menos adiantados,
desempenhar missões
penosas, trabalhando
pelo seu próprio adiantamento, ao mesmo tempo que trabalharão pelo de
seus irmãos ainda mais atrasados. Neste banimento de Espíritos da Terra
transformada não percebeis a sublime alegoria do
Paraíso perdido,
e na vinda do homem para a Terra em semelhantes condições, trazendo em
si o gérmen de suas paixões e os vestígios da sua inferioridade
primitiva, não descobris a não menos sublime alegoria do
pecado original?
Considerado deste ponto de vista, o pecado original se prende à
natureza ainda imperfeita do homem que, assim, só é responsável por si
mesmo, pelas suas próprias faltas e não pelas de seus pais.
“Todos vós, homens de fé e de boa vontade, trabalhai, portanto, com
coragem e zelo na grande obra da regeneração, que colhereis pelo
cêntuplo o grão que houverdes semeado. Ai dos que fecham os olhos à luz!
Preparam para si mesmos longos séculos de trevas e decepções. Ai dos
que fazem dos bens deste mundo a fonte de todas as suas alegrias! Terão
que sofrer privações muito mais numerosas do que os gozos de que
desfrutaram! Ai, sobretudo, dos egoístas! Não acharão quem os ajude a
carregar o fardo de suas misérias.”
SÃO LUÍS.