Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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Juliana Maria, a mendiga

Na comuna da Villate, perto de Nozai (Loire-Inférieure), havia uma pobre mulher chamada Juliana Maria, velha, enfermiça, e que vivia da caridade pública. Um dia ela caiu num pântano, de onde foi retirada por um habitante da região, Sr. Aubert, que habitualmente a socorria. Transportada para sua casa, faleceu pouco tempo depois, em consequência do acidente. Era opinião geral que ela quis suicidarse. No mesmo dia de seu falecimento, o Sr. Aubert, que é espírita e médium, sentiu sobre toda a sua pessoa como que o roçar de uma pessoa que estivesse ao seu lado, sem, contudo, explicar a causa. Quando soube da morte de Juliana Maria, veio-lhe o pensamento de que talvez o seu Espírito tivesse vindo visitá-lo.

Seguindo o conselho de um de seus amigos, o Sr. Cheminant, membro da Sociedade Espírita de Paris, ao qual havia relatado o que havia acontecido, fez a evocação dessa mulher, com o objetivo de ser-lhe útil. Mas, previamente, pediu conselho a seus guias protetores, dos quais recebeu a seguinte resposta:

“Tu podes, e isto lhe dará prazer, posto seja inútil o serviço que lhe queres prestar. Ela está feliz e inteiramente devotada aos que dela se apiedaram. Tu és um dos seus bons amigos. Ela quase não te deixa, e muitas vezes se entretém contigo sem que o percebas. Mais cedo ou mais tarde os serviços prestados serão recompensados, se não pelo favorecido, por aqueles que por ele se interessam, tanto antes quanto depois da sua morte. Se o Espírito não teve tempo de se reconhecer, são outros Espíritos simpáticos que em seu nome testemunham todo o seu reconhecimento. Isto esclarece o que sentiste no dia de sua morte. Agora é ela que te ajuda no bem que queres fazer. Lembra-te do que disse Jesus: “Aquele que se humilha será exaltado.” Terás a medida dos serviços que ela te pode prestar, se, contudo, só lhe pedires assistência para ser útil a teu próximo.”


Evocação:

─ Boa Juliana Maria, sois feliz, eis tudo quanto eu queria saber. Isto não me impedirá de pensar em vós muitas vezes e de jamais vos esquecer em minhas preces. Resposta:

─ Tem confiança em Deus; inspira aos teus doentes uma fé sincera, e triunfarás quase sempre. Não te ocupes jamais com a recompensa que disso virá. Ela ultrapassará a tua expectativa. Deus sabe sempre recompensar o mérito de quem se dedica ao alívio de seus semelhantes e pratica suas ações com completo desinteresse. Sem isto, tudo não passa de ilusão e quimera. Antes de tudo é necessária a fé; do contrário, nada. Lembra-te desta máxima e ficarás admirado com os resultados que obterás. Os dois doentes que curaste disso são a prova. Nas circunstâncias em que se encontravam, com os simples remédios terias falhado.

Quando pedires a Deus que permita que os bons Espíritos derramem sobre ti seus fluidos benéficos, se o pedido não te fizer sentir um arrepio involuntário, é que tua prece não foi bastante fervorosa para ser escutada; ela só o será nas condições que te assinalo. É o que tens experimentado quando dizes do fundo do coração: ‘Deus todo-poderoso, Deus misericordioso, Deus de bondade sem limites, ouvi a minha prece, e permiti que os bons Espíritos me assistam na cura de...; tende piedade dele, meu Deus, e dai-lhe saúde; sem vós nada posso. Que se faça a vossa vontade.’

Fizeste bem em não desprezar os humildes. A voz daquele que sofreu e suportou com resignação as misérias deste mundo é sempre escutada, e, como vês, um serviço prestado sempre recebe a sua recompensa.

Agora uma palavra a meu respeito, e isto confirmará o que foi dito acima.

O Espiritismo te explica minha linguagem como Espírito. Não preciso entrar em detalhes a respeito disso. Também creio inútil dar-te detalhes da minha existência anterior. A posição em que me conheceste na Terra deve fazer-te compreender e apreciar as minhas outras existências, que nem sempre foram sem reproches. Votada a uma vida de miséria, enferma e sem poder trabalhar, mendiguei a vida toda. Não entesourei, e na minha velhice. Minhas pequenas economias se limitavam a uma centena de francos, que eu reservava para quando as pernas já não me pudessem levar. Deus julgou a minha provação e minha expiação suficientes, e lhes pôs um termo, libertando-me sem sofrimento da vida terrena, porque eu não me suicidei, como a princípio pensaram. Eu caí fulminada à borda do pântano, no momento em que dirigia minha última prece a Deus. A rampa do terreno foi a causa da presença de meu corpo na água. Não sofri; estou feliz por ter podido cumprir minha missão sem entraves e com resignação. Tornei-me útil, na medida de minhas forças e de meus meios, e evitei fazer mal ao próximo. Hoje recebo a recompensa, pelo que dou graças a Deus, nosso divino Mestre, que, no castigo que inflige, alivia a amargura fazendo-nos esquecer, durante a vida, as nossas passadas existências, e põe em nosso caminho almas caridosas, para nos ajudarem a suportar o fardo de nossos erros passados.

Tu, também, persevera, e, como eu, serás recompensado.

Agradeço-te as boas preces e o serviço que me prestaste. Jamais o esquecerei. Um dia nos veremos novamente, e muitas coisas ser-te-ão explicadas. No momento seria supérfluo. Sabe apenas que te sou muito devotada, estou muitas vezes ao teu lado, e sempre que necessitares de mim para aliviar o que sofre.

A pobre mulherzinha JULIANA MARIA


Tendo sido evocado na Sociedade de Paris, a 10 de junho de 1864, pela médium Sra. Patet, o Espírito de Juliana Maria ditou a comunicação seguinte:

“Obrigado pela bondade de me admitir em vosso meio, caro presidente. Sentistes bem que minhas existências anteriores foram mais elevadas como posição social, e se voltei para sofrer esta provação da pobreza, era para me punir de um vão orgulho que me fazia repelir quem fosse pobre e miserável. Então sofri essa justa lei de Talião, que me tornou a mais horrível mendiga desta região, e, como para me provar a bondade de Deus, eu não era repelida por todos. Isto era todo o meu medo. Assim, suportei minha provação sem murmurar, pressentindo uma vida melhor, de onde não devia mais voltar a esta Terra de exílio e de calamidade. Que felicidade, no dia em que nossa alma, ainda jovem, pode entrar na vida espiritual para rever os seres amados, porque eu também amei e sou feliz por haver reencontrado os que me precederam. Obrigado a esse bom Aubert. Ele me abriu a porta do reconhecimento. Sem sua mediunidade eu não lhe poderia agradecer e lhe provar que minha alma não esquece as felizes influências de seu bom coração e lhe recomendar que propague sua divina crença. Ele é chamado a reconduzir as almas transviadas. Que ele que se persuada bem de meu apoio. Sim, eu lhe posso retribuir ao cêntuplo o que ele me fez, instruindo-o na via que seguis. Agradecei ao Senhor por ter permitido que os Espíritos vos possam dar instruções para encorajar o pobre em suas penas e deter o rico em seu orgulho. Sabei compreender a vergonha que há em repelir um infeliz. Que eu vos sirva de exemplo, a fim de evitar que venhais, como eu, expiar as vossas faltas nessas dolorosas posições sociais que vos colocam tão baixo e vos fazem o rebotalho da Sociedade.

JULIANA MARIA


OBSERVAÇÃO: Este fato está cheio de ensinamentos para quem quer que medite as palavras deste Espírito nas duas comunicações. Todos os grandes princípios do Espiritismo aí estão reunidos. Desde a primeira, o Espírito mostra sua superioridade pela sua linguagem; como uma fada benfazeja, ela vem proteger aquele que não a desprezou sob seus trapos da miséria. É uma aplicação destas máximas do Evangelho: “Os grandes serão humilhados e os pequenos serão exalçados; bem-aventurados os humildes; bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados; não desprezeis os pequenos, pois o que é pequeno neste mundo talvez seja maior do que imaginais.” Que aqueles que negam a reencarnação como contrária à justiça de Deus, expliquem a posição dessa mulher votada à infelicidade desde o seu nascimento pelas enfermidades, senão por uma vida anterior!

Transmitida esta comunicação ao Sr. Aubert, por sua vez ele obteve a que se segue, que lhe é uma confirmação.

─ Boa Juliana Maria, considerando-se que quereis mesmo ajudar-me com os vossos bons conselhos a fim de me fazer progredir na via da nossa divina doutrina, tende a bondade de vos comunicardes comigo. Envidarei todos os meus esforços para tirar proveito dos vossos ensinamentos.

─ Lembra-te da recomendação que te vou fazer e jamais dela te afastes. Sê sempre caridoso, na medida das tuas possibilidades; tu compreendes bastante a caridade tal qual deve ser praticada em todas as posições da vida terrena. Assim, não necessito vir dar-te um ensinamento a propósito disso, pois serás tu mesmo o melhor juiz, seguindo, contudo, a voz de tua consciência, que jamais te enganará quando a escutares sinceramente.

“Não te equivoques quanto às missões que vós tendes a cumprir na Terra; pequenos e grandes têm a sua; a minha foi muito penosa, mas eu merecia semelhante punição, por minhas existências precedentes, como vim confessar ao presidente da Sociedade mãe de Paris, à qual todos vos ligareis um dia, e esse dia não está tão longe quanto pensas. O Espiritismo marcha a passos de gigante, malgrado tudo o que fazem para entravá-lo. Marchai, pois, todos, sem medo, fervorosos crentes da doutrina, e vossos esforços serão coroados de sucesso. Pouco vos importe o que dirão de vós. Colocai-vos acima de uma crítica irrisória que recairá sobre os adversários do Espiritismo.

“Os orgulhosos! Eles se julgam fortes e pensam em facilmente vos abater. Vós, meus bons amigos, ficai tranquilos e não temais medir-vos com eles. Eles são mais fáceis de vencer do que supondes. Muitos dentre eles têm medo e temem que a verdade venha, enfim, ofuscar-lhes os olhos. Esperai. Eles virão, por sua vez, ajudar no coroamento do edifício.

JULIANA MARIA

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