O ouriço, o coelho e a pêga - Fábula - Aos membros da sociedade espírita de BordéusA caridade, meus amigos, é feita de muitas maneiras. Podeis fazer a caridade pelo pensamento e pelas obras...
O Espírito protetor da Sociedade Espírita de Lyon
Revista Espírita de outubro de 1861
Um pobre ouriço, sendo expulso da sua toca,
Rolava pelo campo em meio aos espinheiros,
Aos golpes de tamanco de um moleque arteiro
Que em sangue o abandona e quase que o sufoca.
Ele fecha, tremendo, a armadura espinhenta,
Espicha-se, lançando em volta esquivo olhar,
E, já sem perigo lamenta
Numa débil voz, a chorar:
— Onde esconder?... Fugir?... Voltar ao meu abrigo
Está acima do meu querer.
Já nem posso prever os mil perigos
Que me ameaçam aqui... É forçoso morrer?
Preciso de um refúgio, um pouco repousar
Para curar minhas feridas.
Mas... onde encontrar uma guarida?
Quem irá de mim se apiedar?
Um coelho que morava entre lascas de rocha
E para quem a caridade
Não era vã palavra, sensível se arroja
E lhe diz: ─ Meu amigo, aceitai a metade
Do meu modesto abrigo. Estou bem neste asilo;
Nele estareis seguro. É difícil aqui
Buscarem vosso rastro. E mais, ficai tranquilo:
Cuidados, junto a mim, não vão faltar ali.
Diante dessa oferta graciosa
Já caminhava o ouriço a passo lento
Quando uma pega obsequiosa
Fez um sinal ao coelho: ─ Parai um momento,
Eu peço... uma palavra... é um breve caso...
E depois ao ouriço: ─ É um pequeno segredo!...
Perdoai-me, quando nada, pelo atraso!
E o bom coelho, nesse enredo
Ergue as orelhas para que ela fale baixo:
─ Como! Levais a vossa casa uma tal gente!...
Avançais muito nos cuidados com os de baixo!
Nunca eu faria tal tolice, tão patente,
Mas, não arreceais de vos arrepender?
Quando estiver curado, as forças recobradas,
Vós sereis o primeiro, talvez, a sofrer
Com seu mau coração e as farpas aceradas.
E que meios tereis, então, para o correr?
O coelho respondeu: ─ Nenhuma inquietação
Nos deverá afastar de impulsos benfeitores;
Vale bem mais expor-se à ingratidão
Do que faltar aos sofredores!
C. DOMBRE