O Sr. Émile Deschanel, cujo nome não nos era conhecido, quis consagrar-nos vinte e quatro colunas do
Journal des Debats, nos números de 15 e 29 de novembro último. Nós lhe agradecemos o fato, senão a intenção. Com efeito, depois dos artigos da
Bibliographie catholique e da
Gazette de Lyon, que lançavam o anátema e a injúria escancarados, de maneira a fazer crer num retorno ao século XV, nada conhecemos de mais malévolo, de menos científico e sobretudo de mais longo que o do Sr. Deschanel. Uma tão vigorosa sortida deve ter-lhe feito pensar que o Espiritismo, por ele ferido a lança e espada, ficaria para sempre morto e bem enterrado. Como não lhe respondemos; porque não lhe fizemos nenhuma intimação e porque não iniciamos com ele nenhuma polêmica extrema, pode ter-se equivocado quanto à causa do nosso silêncio, cujos motivos devemos expor. O primeiro é que, em nossa opinião, nada havia de urgente e estávamos muito à vontade para esperar, a fim de julgar o efeito desse assalto, e por ele regular a nossa resposta. Hoje, que estamos completamente informados a respeito, diremos algumas palavras.
O segundo motivo é consequência do primeiro. Para refutar o artigo em detalhes, teria sido necessário reproduzi-lo por inteiro, a fim de pôr à vista o ataque e a defesa, o que teria absorvido um número da nossa Revista. A refutação absorveria pelo menos dois números. Teríamos, assim, três números empregados em refutar o quê? Razões? Não, apenas pilhérias do Sr. Deschanel. Francamente não valia a pena, e nossos leitores preferem outra coisa. Os que desejarem conhecer a sua lógica poderão contentar-se lendo os números citados. E depois, nossa resposta teria sido, em definitivo, senão a repetição do que escrevemos, do que respondemos ao
Univers, ao Sr.
Oscar Comettant, à
Gazette de Lyon, ao Sr.
Louis Figuier e
à
Bibliographie Catholique[1], porque todos esses ataques não passam de variantes do mesmo tema. Teria sido preciso, então, repetir a mesma coisa em outros termos, para não ser monótono, e não teríamos tempo. O que poderíamos dizer seria inútil para os adeptos e não seria bastante completo para convencer os incrédulos; seria, pois, trabalho perdido. Preferimos remeter às nossas obras os que queiram realmente esclarecer-se. Eles poderão fazer um paralelo dos argumentos pró e contra. Sua própria razão fará o resto.
Aliás, por que responder ao Sr. Deschanel? Para convencê-lo? Mas isto não nos interessa absolutamente. Dir-se-á que seria um adepto a mais. Mas, que importância tem, a mais ou a menos, a pessoa do Sr. Deschanel? Que peso pode ter na balança, quando as adesões chegam aos milhares, desde o alto da escala social? ─ Mas é um jornalista e se, em lugar de uma diatribe, tivesse feito um elogio, não teria sido muito melhor para a doutrina? Este é um problema mais sério. Examinemo-lo.
Para começar, é certo que o Sr. Deschanel, novo converso, teria publicado vinte e quatro colunas em favor do Espiritismo, como as publicou contra? Não o cremos, por duas razões: a primeira, porque teria temido ser levado a ridículo por seus confrades; a segunda, porque o diretor do jornal provavelmente não as teria aceito, com medo de afugentar certos leitores menos apavorados com o diabo do que com os Espíritos. Conhecemos bom número de literatos e jornalistas que estão nessas condições e que nem por isso deixam de ser menos bons e sinceros espíritas. Sabe-se que a Sra. Émile de Girardin, que geralmente passa por ter tido alguma inteligência em vida, não só era muito crente, mas ainda muito boa médium e obteve inúmeras comunicações, mas as reservava para o círculo íntimo de seus amigos, que partilhavam suas convicções. Aos outros ela não falava disto. Um jornalista que ousa falar contra, mas que não ousaria falar pró, se estivesse convencido, seria para nós um simples indivíduo. Quando vemos uma mãe desolada com a perda do filho querido encontrar inefáveis consolações na doutrina, sua adesão aos nossos princípios tem para nós cem vezes o preço da conversão de um ilustre qualquer, se esse ilustre nada ousa dizer. Ademais, homens de boa vontade não faltam. São tão abundantes e tantos vêm a nós, que mal conseguimos atendê-los. Assim, não vemos por que perder tempo com os indiferentes e correr atrás dos que não nos procuram.
Uma só palavra revelará se o Sr. Deschanel é sério. Eis o começo de seu segundo artigo, de 29 de novembro:
“A Doutrina Espírita refuta-se por si mesma. Basta expô-la. Depois de tudo, ela não está errada por se chamar simplesmente espírita, porque nem é espiritual nem espiritualista. Ao contrário, baseia-se no mais grosseiro materialismo e só não é divertida porque é ridícula.”
Dizer que o Espiritismo é baseado num materialismo grosseiro, quando ele o combate sem tréguas; quando ele nada seria sem a alma, sua imortalidade, as penas e recompensas futuras, das quais é demonstração patente, é o cúmulo da ignorância daquilo de que se trata. Se não é ignorância, é má-fé e calúnia. Vendo esta acusação e vendo-o citar os textos bíblicos, os profetas, a lei de Moisés, que proíbe interrogar os mortos, ─ prova de que podem ser interrogados, pois não se proíbe uma coisa impossível ─ poderíamos acreditá-lo de uma ortodoxia furibunda, mas lendo os faceciosos trechos seguintes de seu artigo, os leitores ficarão muito embaraçados para se pronunciarem a respeito da sua opinião:
“Como os Espíritos podem cair sobre os vossos sentidos? Como podem ser vistos, ouvidos, apalpados? E como podem escrever eles próprios e nos deixar autógrafos do outro mundo?
─ “Oh! Mas é que esses Espíritos não são Espíritos como podeis crer: Espíritos puramente Espíritos. “O Espírito ─ escutem bem ─ não é um ser abstrato, indefinido, que só o pensamento concebe; é um ser real, circunscrito, que, em certos casos, é apreciável pelos sentidos da visão, da audição e do tato.” ─ “Mas, então, esses Espíritos têm corpos?
─ “Não precisamente.
─ “Mas, então?...
─ “Há no homem três coisas:
“1.º ─ O corpo, ou ser material, análogo aos animais, movido pelo mesmo princípio vital;
“2.º ─ A alma, ou ser imaterial, Espírito encarnado no corpo;
“3.º ─ O laço que une a alma e o corpo, princípio intermediário entre a matéria e o Espírito.”
─ “Intermediário? Que diabo quereis dizer? Ou se é matéria ou não se é.
─ “Isto depende.
─ “Como! isto depende!
─ “Eis a coisa: “O laço ou
perispírito, que une o corpo e o Espírito é uma espécie de envoltório semimaterial...” ─ “Semi!... semi!
─ “A morte é a destruição do envoltório mais grosseiro; o Espírito conserva o segundo, que constitui para ele um corpo etéreo, invisível para nós no estado normal, mas que acidentalmente pode torná-lo visível e mesmo tangível, como acontece no fenômeno das aparições.”
─
“Etéreo tanto quanto queirais, um corpo é um corpo. Isto quer dizer dois. E a matéria é a matéria. Sutilizai-a tanto quanto o queirais, lá dentro não há
semi algum. A própria eletricidade não passa de matéria, e não semimatéria. E quanto ao vosso...
Como chamais isto?
─ “O perispírito?
─ “Sim, vosso perispírito... eu acho que ele nada explica e que ele mesmo necessita muito de explicação.
─ “O perispírito serve de primeiro envoltório ao Espírito e une a alma ao corpo. Tais são, num fruto, o germe, o perisperma e a casca ... O perispírito é tirado do meio-ambiente, do fluido universal; ele participa, ao mesmo tempo, da eletricidade, do fluido magnético e, até certo ponto, da matéria inerte... Compreendeis?
─ “Não muito.
─ “Poder-se-ia dizer que é a quintessência da matéria.”
─ “Por mais que quintessencieis, daí não tirareis espírito, nem semiespírito.
Vosso perispírito é pura matéria.
─ “É o princípio da vida orgânica, mas não da vida intelectual.”
─ “Enfim, é o que quiserdes. Vosso perispírito é tantas coisas, que não sei bem o que ele é; bem poderá ser nada.”
O vocábulo
perispírito vos ofusca, ao que parece. Se tivésseis vivido ao tempo em que foi inventado o vocábulo
perisperma, provavelmente também o tivésseis achado ridículo. Por que não criticar os que diariamente são inventados para exprimir ideias novas? Não é o vocábulo que critico, direis vós, é a coisa. Seja, porque jamais vistes o perispírito, mas negais a alma, que também nunca vistes? Negais Deus pelo mesmo motivo? Então! Se não se pode ver a alma ou o Espírito, o que é a mesma coisa, pode-se ver o seu envoltório fluídico ou
perispírito, quando livre, como se vê seu envoltório carnal quando ela está encarnada.
O Sr. Deschanel esforça-se por provar que o perispírito deve ser matéria. Mas é o que dizemos com todas as letras. Porventura seria isto o que o faz dizer que o Espiritismo é uma doutrina materialista? Mas a própria citação que ele faz o condena, pois o dizemos nos próprios termos, menos as espirituosas facécias, que este não passa de um envoltório independente do Espírito. Onde nos ouviu dizer que é o perispírito que pensa? Vá que ele não queira o perispírito. Mas que nos diga como explica a ação dos Espíritos sobre a matéria sem intermediário. Não falaremos das aparições contemporâneas, nas quais por certo não acredita. Mas, desde que é tão aferrado à Bíblia, da qual faz uma defesa tão acalorada, é porque acredita na Bíblia e no que ela diz. Então que nos explique as aparições de anjos, dos quais há menção a cada passo. Segundo a doutrina teológica, os anjos são puros Espíritos; mas quando se tornam visíveis, ele dirá que é o Espírito que se mostra? Isto seria, então, por esta vez, materializar o próprio Espírito, pois só a matéria pode afetar os nossos sentidos. Nós dizemos que o Espírito reveste um envoltório, que pode tornálo visível e mesmo tangível, à vontade. Só o envoltório é material, embora muito etéreo, o que nada tira às qualidades próprias do Espírito. Assim explicamos um fato até então sem explicação, e certamente somos menos materialistas que os que pretendem que é o próprio Espírito que se transforma em matéria para ser visto e para agir. Os que não acreditavam na aparição dos anjos da Bíblia podem agora acreditar, se acreditam na existência dos anjos, sem que isso repugne à razão. Por isso mesmo, podem compreender a possibilidade das manifestações atuais, visíveis, tangíveis e outras, desde que a alma ou Espírito possui um envoltório fluídico, supondo-se que acreditam na existência da alma.
Ademais, o Sr. Deschanel esqueceu uma coisa: de expor a sua teoria da alma ou do Espírito. Como homem judicioso, deveria ter dito: Estais errado por esta ou aquela razão; as coisas não são tais quais dizeis;
eis o que são. Só então teríamos algo sobre que discutir. Mas é de notar que isto é o que ainda não fez nenhum dos contraditores do Espiritismo. Negam, zombam ou injuriam. Não lhes conhecemos outra lógica, o que é muito pouco inquietante. Assim, absolutamente não nos inquietamos, porque se eles nada propõem, parece que nada de melhor têm a propor. Só os francamente materialistas têm um sistema determinado: o nada após a morte. Desejamo-lhes muita diversão, se isto os satisfaz. Infelizmente os que admitem a alma estão na impossibilidade de resolver as mais vitais questões, apenas conforme sua teoria e por isso não têm outro recurso senão a fé cega, razão pouco concludente para os que gostam de razões, e o seu número é grande neste tempo de luzes. Ora, como os espiritualistas nada explicam de modo satisfatório para os pensadores, estes concluem que não há nada, e que os materialistas talvez tenham razão. É isto que conduz tanta gente à incredulidade, ao passo que essas mesmas dificuldades encontram uma solução simples e natural pela teoria espírita. O materialismo diz:
Nada há fora da matéria. O espiritualismo diz:
Há alguma coisa, mas não o prova. O Espiritismo diz:
Há alguma coisa, e o prova, e auxiliado por sua alavanca, explica o que até agora era inexplicável. É o que faz que o Espiritismo reconduza tantos incrédulos ao espiritualismo. Só uma coisa pedimos ao Sr. Deschanel: que dê claramente a sua teoria e que responda, não menos claramente, às diversas perguntas por nós dirigidas ao Sr. Figuier.
Em suma, as objeções do Sr. Deschanel são pueris. Se tivesse sido ele um homem sério; se tivesse feito crítica com conhecimento de causa; se não se tivesse exposto ao pesado erro de taxar o Espiritismo de doutrina materialista, teria procurado aprofundar-se; teria vindo nos encontrar, como tantos outros, para pedir esclarecimentos que com prazer lhe daríamos. Mas ele preferiu falar conforme suas próprias ideias, que sem dúvida olha como o supremo regulador, como a unidade métrica da razão humana. Ora, como sua opinião pessoal nos é indiferente, não nos preocupamos em o fazer mudá-la. Não demos um único passo para tanto, não o convidamos a nenhuma reunião, a nenhuma demonstração. Se ele quisesse saber, teria vindo. Como não veio, é porque não o queria e não nos interessamos mais do que ele.
Outro ponto a examinar é este: Uma crítica tão virulenta e tão longa, fundamentada ou não, num jornal tão importante quanto o
Débats, pode prejudicar a propagação das ideias novas? Vejamos.
De início é necessário observar que não se trata uma doutrina filosófica como uma mercadoria. Se um jornal afirmasse, apoiado em provas, que tal comerciante vende mercadorias avariadas ou falsificadas, ninguém seria tentado a experimentar se aquilo era verdade. Mas toda teoria metafísica é uma opinião que, fosse ela do próprio Deus, encontraria contraditores. Não vimos as melhores coisas, as mais incontestáveis verdades de hoje serem postas em ridículo, no seu aparecimento, pelos homens mais capazes? Isso as impediu de ser verdadeiras e se propagarem? Todo mundo o sabe. Eis por que a opinião de um jornalista sobre questões desse gênero é apenas e sempre uma opinião pessoal. E a gente imagina que se tantos sábios se equivocaram sobre coisas positivas, o Sr. Deschanel pode bem enganar-se sobre uma coisa abstrata. Por menos que ele tenha uma ideia, mesmo vaga, do
Espiritismo, sua acusação de materialismo é a sua própria condenação. Disso resulta que as pessoas preferem ver e julgar por si próprias, e é tudo quanto pedimos. A tal respeito, sem o querer, o Sr. Deschanel prestou um verdadeiro serviço à nossa causa; e nós lhe agradecemos, porque ele nos poupa despesas de publicidade, pois não somos bastante ricos para pagar um folhetim de 24 colunas. Por mais espalhado que esteja, o Espiritismo ainda não penetrou em toda parte. Há muita gente que dele ainda não ouviu falar. Um artigo de tal importância atrai a atenção. Penetra mesmo no campo inimigo, onde causa deserções, porque se diz naturalmente que não se ataca assim uma coisa sem valor. Com efeito, a gente não se desgasta dirigindo baterias formidáveis contra uma praça que se pode tomar a fuzil. Julga-se a resistência pelo aparato das forças de ataque, e é isto que desperta a atenção sobre coisas que talvez pudessem passar despercebidas.
Isto é apenas raciocínio. Vejamos se os fatos vêm contradizê-lo. Julga-se do crédito de um jornal pelas simpatias que encontra na opinião pública, pelo número de seus leitores. O mesmo deve se dar com o Espiritismo, representado por algumas obras especiais; só falaremos das nossas, porque lhes conhecemos o número exato. Então! O
Livro dos Espíritos, que passa por ser a mais completa exposição da doutrina, foi publicado em 1857; a 2.º edição em abril de 1860; a 3.º em agosto de 1860, isto é, quatro meses mais tarde, e em fevereiro de 1861, a 4.º estava à venda. Assim, três edições em menos de um ano provam que nem todo mundo é da opinião do Sr. Deschanel. Nossa nova obra, o
Livro dos Médiuns, apareceu a 15 de janeiro de 1861, e já é preciso pensar na preparação de uma nova edição. Foi pedido da Rússia, da Alemanha, da Itália, da Inglaterra, da Espanha, dos Estados Unidos, do México, do Brasil, etc.
Os artigos do
Journal des Débats apareceram em novembro último. Se eles tivessem exercido a menor influência sobre a opinião pública, teria sido sobre a
Revista Espírita, que publicamos, que tal influência ter-se-ia feito sentir. Ora, a 1.º de janeiro de 1861, data da renovação das assinaturas anuais, havia um terço a mais de assinantes em relação à mesma época do ano anterior, e diariamente ela recebe novos assinantes que, coisa digna de registro, pedem todas as coleções dos anos anteriores, tanto que foi necessário reimprimi-las. Isto prova que ela não lhes parece assim tão ridícula. De todos os lados, em Paris, no interior, no estrangeiro, formamse reuniões espíritas. Conhecemos mais de cem delas nos Departamentos e estamos longe de conhecê-las todas, sem contar todas as pessoas que disto se ocupam isoladamente ou no seio da família. Que dirão a isto os Srs. Deschanel, Figuier e outros da mesma espécie? Que o número de loucos aumenta. Sim, aumenta de tal modo que em pouco tempo os loucos serão mais numerosos que a gente sensata. Mas o que tais senhores, tão cheios de solicitude pelo bom-senso humano devem deplorar, é ver que tudo quanto fizeram para parar o movimento produz resultado completamente contrário. Querem eles saber a causa? É muito simples. Eles pretendem falar em nome da razão, e nada oferecem de melhor: uns dão como perspectiva o nada; outros, as chamas eternas, duas alternativas que agradam a muito pouca gente. Entre as duas escolhe-se aquilo que é mais tranquilizador. Depois disto, é de admirar que os homens se lancem nos braços do Espiritismo! Aqueles senhores acreditavam tê-lo matado, e nós tivemos que lhes provar que
o homenzinho vive ainda[2], e viverá por muito tempo.
Tendo demonstrado a experiência que os artigos do Sr. Deschanel, longe de prejudicar a causa do Espiritismo, a serviram, excitando nos que dele ainda não haviam ouvido falar, o desejo de conhecê-lo, julgamos supérfluo discutir uma por uma de suas asserções. Todas as armas têm sido empregadas contra esta doutrina: atacaram-na em nome da religião, a que ela serve ao invés de prejudicar; em nome da Ciência, em nome do materialismo. Prodigalizaram-lhe, seguidamente, a injúria, a ameaça, a calúnia e ela resistiu a tudo, mesmo ao ridículo. Sob a nuvem de dardos que lhe atiram, ela faz pacificamente a volta ao mundo e se implanta por toda parte, às barbas de seus inimigos mais encarniçados. Não há nisto matéria para reflexão séria e não é a prova de que ela encontra eco no coração do homem, ao mesmo tempo que está sob a salvaguarda de uma força contra a qual vêm quebrar-se os esforços humanos?
É notável que no momento em que apareceram os artigos do
Journal des Débats, comunicações espontâneas ocorreram em vários lugares, em Paris como nos Departamentos. Todas exprimem o mesmo pensamento. A seguinte foi dada na Sociedade, a 30 de novembro último:
“Não vos inquieteis com o que o mundo pode escrever contra o Espiritismo. Não é a vós que atacam os incrédulos, é ao próprio Deus. Mas Deus é mais poderoso do que eles. É uma era nova, entendei bem, que se abre ante vós, e os que buscam opor-se aos desígnios da Providência em breve serão derrubados. Como foi dito perfeitamente, longe de prejudicar o Espiritismo, o ceticismo fere as próprias mãos e ele mesmo se matará. Desde que o mundo quer tornar a morte onipotente pelo nada, deixai-o falar; oponde apenas a indiferença ao seu amargo pedantismo. Para vós a morte não será mais essa deusa atroz que os poetas sonharam. A morte se vos apresentará como a aurora dos dedos de rosa de Homero.
[3]”
ANDRÉ CHÉNIER
Sobre o mesmo assunto, São Luís havia dito antes:
“Semelhantes artigos não fazem mal senão aos que os escrevem; não fazem mal nenhum ao Espiritismo, que ajudam a espalhar, até mesmo entre os seus inimigos.”
Um outro Espírito respondeu a um médico de Nimes, que lhe perguntou o que pensava dos artigos:
“Deveis ficar satisfeitos com isto. Se vossos inimigos se ocupam tanto convosco, é porque vos reconhecem algum valor e vos temem. Deixai, então, que digam e façam o que quiserem. Quanto mais eles falarem, mais vos tornarão conhecidos. Não está longe o tempo em que serão forçados a calar-se. Sua cólera prova a sua fraqueza. Só a verdadeira força sabe dominar-se, pois tem a calma da confiança. A fraqueza procura atordoar-se fazendo muito barulho.”
Quereis agora uma amostra do emprego que certos sábios fazem da Ciência em proveito da Sociedade? Citemos um exemplo.
Um dos nossos colegas da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, o Sr. Indermuhle, de Berna, escreve-nos o seguinte:
“O Sr. Schiff, professor de Anatomia (não sei se é o mesmo que tão engenhosamente descobriu o músculo que range, do qual o Sr. Jobert de Lamballe se tornou o editor responsável)
[4], há algumas semanas deu aqui um curso público sobre digestão. Certamente o curso não deixava de ser interessante. Mas, depois de haver falado muito sobre a cozinha e a Química, a propósito dos alimentos, provou que nenhuma matéria se aniquila; que pode dividir-se e transformar-se, mas que é encontrada na composição do ar, da água e dos tecidos orgânicos, e chegou à seguinte conclusão: “Assim, pois, diz ele, a
alma, tal como o vulgo a entende, é exatamente nesse sentido que aquilo que chamamos alma, após a morte do corpo, se dissolve como o corpo material; ela se decompõe para se juntar às matérias contidas, seja no ar, seja nos outros corpos. É
somente neste sentido que o vocábulo imortalidade se justifica. Do contrário, não.” “É assim que em 1861 os sábios encarregados de instruir e esclarecer os homens lhes oferecem pedra ao invés de pão. É preciso dizer, em louvor da Humanidade, que os ouvintes estavam, na maioria, muito pouco edificados e satisfeitos com esta conclusão tirada tão bruscamente, e que muitos se escandalizaram. Eu, de minha parte, tive piedade desse homem. Se ele tivesse atacado o governo, tê-lo-iam interrompido e mesmo punido. Como se pode tolerar o ensino público do materialismo, esse dissolvente da Sociedade?” A essas judiciosas reflexões do nosso colega, ajuntaremos que uma Sociedade materialista, tal qual certos homens se esforçam em transformar a Sociedade atual, não tendo qualquer freio moral, é a mais perigosa para qualquer espécie de governo. Talvez o materialismo jamais tenha sido professado com tanto cinismo, e aqueles que são retidos por um pouco de pudor se compensam arrastando na lama o que pode destruí-lo.
Mas, por mais que façam, estas são as convulsões de sua agonia. Diga o que disser o Sr. Deschanel, é o Espiritismo que lhe dará o golpe de misericórdia.
Limitamo-nos a enviar a seguinte carta ao Sr. Deschanel:
“Senhor,
“Publicastes dois artigos no
Journal des Débats de 15 e 29 de novembro último, nos quais apreciais o Espiritismo, do vosso ponto de vista. O ridículo que lançais sobre essa doutrina, sobre mim de contragolpe, e sobre todos os que a professam, me autorizava a dirigir uma refutação, que eu pediria fosse inserta. Não o fiz porque, pela maior extensão que lhe desse, sempre teria sido insuficiente para as pessoas estranhas a essa ciência e teria sido inútil aos que a conhecem. A convicção só é adquirida por estudos sérios, feitos sem prevenção, sem ideias preconcebidas e por numerosas observações, feitas com
a paciência e a perseverança de quem realmente quer saber e compreender. Eu teria tido necessidade de fazer aos vossos leitores um verdadeiro curso que ultrapassaria os limites de um artigo. Mas como vos creio um homem de honra para atacar sem admitir defesa, limitar-me-ei a lhes dizer nesta simples carta que vos rogo publiqueis no mesmo jornal, que eles encontrarão tanto no
Livro dos Espíritos como no
Livro dos Médiuns, que acabo de publicar pelos Srs. Didier & Cia., uma resposta suficiente, em minha opinião. Deixo a critério deles o cuidado de fazer um paralelo entre os vossos argumentos e os meus. Os que quiserem previamente formar uma ideia sucinta e com pouca despesa, poderão ler a pequena brochura intitulada
O que é o Espiritismo? que custa apenas 60 centavos, bem como a C
arta de um católico sobre o Espiritismo, do Sr. Dr. Grand, antigo vice-cônsul da França. Encontrarão ainda algumas reflexões sobre o vosso artigo no número de março da
Revista Espírita, que publico.
Contudo, há um ponto que eu não poderia deixar passar em silêncio: é a passagem do vosso artigo onde dizeis que
o Espiritismo é fundado sobre o mais grosseiro materialismo. Ponho de lado as expressões ofensivas e pouco parlamentares, às quais, por hábito, não presto atenção, e me limito a dizer que essa passagem contém erro, não direi grosseiro, pois o termo seria incivil, mas capital, e que me importa destacar, para esclarecimento dos vossos leitores. Com efeito, o Espiritismo tem por base essencial, e sem a qual não teria qualquer razão de ser, a existência de
Deus, a
da
alma, sua imortalidade, as penas e as recompensas futuras. Ora, esses pontos são a mais absoluta negação do materialismo, que não admite nenhum deles. A Doutrina Espírita não se limita a afirmá-los; não os admite
a priori, mas
é a sua demonstração patente. Eis por que já reconduziu um tão grande número de incrédulos que haviam abjurado qualquer sentimento religioso.
Ela pode não ser espiritual
[5], mas não há dúvida que é essencialmente espiritualista, isto é, contrária ao materialismo, pois não se compreenderia uma doutrina da alma imortal fundada na inexistência da alma. O que conduz tanta gente à absoluta incredulidade é a maneira por que são apresentadas a alma e o seu futuro. Vejo diariamente gente que me diz: “Se desde a infância me tivessem ensinado essas coisas como o fazeis, eu jamais teria sido incrédulo, porque agora compreendo o que antes não compreendia.” Assim, todos os dias tenho a prova de que basta expor esta doutrina para lhe conquistar numerosos partidários.
Aceitai, etc.”
Ao
Univers, maio e julho de 1859; ao Sr.
O. Comettant, dez. de 1859; à
Gaz. de Lyon, out. de 1860; ao Sr.
L. Figuier, set. e dez. de 1860; à
Bibliographie cathol., jan. de 1861.
Petit Bonhomme vit encore, em francês, remete a uma brincadeira difundida em toda a Ásia e Europa, desde o Séc. VIII. Os participantes, em círculo, passam de mão em mão um pedaço de madeira aceso numa das pontas. Cada participante assopra a brasa e passa adiante dizendo
Petit Bonhomme vit encore. Aquele em cujas mãos a brasa se apagar, paga uma prenda. (N. Eq. Revisora)
Referência ao texto da Odisséia,
l’Aurore aux doigts de rose é traduzida palavra por palavra para a língua francesa. Fénelon não hesitou em usá-la: “Amanhã, quando a aurora, com seus dedos rosados, entreabrir as portas douradas do Oriente...”
Aristóteles, querendo provar que todas as metáforas são tomadas a partir dos objetos mais bonitos e mais agradáveis aos nossos sentidos, cita essa como modelo, mas acrescenta: “Muito melhor se alguém tivesse dito: A aurora de dedos púrpura.”
Vide a Revista Espírita de junho de 1859.
Espiritual, em francês, significa também espirituoso, mas parece que Kardec não o aplicou nesse sentido. Ele diz que a doutrina
pode não ser espiritual no sentido místico da palavra, mas é espiritualista no sentido filosófico. (N. Eq. Rev.).