Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

Allan Kardec

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O monólogo do burrico (Fábula)

Um burrico

─ Não façais confusão,

Pois nunca falo mal de gente de condição.

─ Um burro legítimo, que pode ser tosquiado,

Numa palavra, um burro arrelhado,

Na estação olhava a locomotiva,

Com o olhar brilhante e a palavra viva.

“És tu ─ berra ele ─ tu que estás em descanso,“

Se dou fé ao que diz certo carneiro manso.

“Andas sem almocreve, sem cavalo ou jumento,

“E roncas arrastando tamanho acompanhamento

“De caixas que parecem uma aldeia de lenho.

“Um milagre! ─ diriam ─ Qual nada! Por mim tenho

“Que os tempos são outros! Quem me troça não pode

“Ver que sei conhecer pasto e barba de bode, ─

“E que, deixando os cardos, busco ração sadia.

“Com estes pés de ferro não fazes longa via.

“Eu tenho minha regra: confio porque penso.

“Caminhar sem cavalos?

Sem nós?

Que contrassenso!”

O burro ─ bem se vê ─ a razão invocava,

Essa luz ─ bem sabeis ─ que a arrogância apaga.

Com o sábio por vezes ao asno se assemelha!

Negai, doutores, do Espírito a centelha;

Negai o movimento, desprezai o motor.

Do nada faz o sábio a luz que nos aquece?

Toda locomotiva algo exige: o vapor.

Evocam-se os mortos... mas é preciso a prece,

Que vem do coração, entre ondas de Amor.

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