O Espiritismo em sua mais simples expressão
Exposição sumária do ensino dos Espíritos
e de suas manifestações
por
Allan Kardec
Fora da caridade não há salvação.
Histórico do Espiritismo.
Em 1848, a atenção pública foi, nos Estados Unidos da América, atraída para diversos fenômenos estranhos, que consistiam em ruídos, pancadas e movimentos de objetos, sem causa conhecida. Tais fenômenos muitas vezes se produziam espontaneamente, com singulares persistência e intensidade; logo se observou, porém, que eles mais particularmente se produziam sob a influência de certas pessoas, que foram designadas pelo nome de médiuns e que, de alguma forma, os podiam provocar à vontade, o que permitiu a repetição das experiências.
Os experimentadores se serviram principalmente de mesas, não porque esse objeto fosse mais favorável do que outro, mas unicamente porque era mais prático, mais cômodo, e também porque mais fácil e naturalmente algumas pessoas se sentam à volta de uma mesa do que em torno de qualquer outro móvel. Obteve-se assim a rotação da mesa, depois movimentos em todos os sentidos, saltos, reviramentos, pancadas violentas. Foi a esse fenômeno que, a princípio, se deu a designação de mesas girantes ou dança das mesas.
Até então, tudo parecia poder explicar-se por uma corrente elétrica ou magnética, ou pela ação de um fluido desconhecido, e essa foi mesmo a primeira opinião que se formou. Não tardou, entretanto, que se reconhecessem efeitos inteligentes nos fenômenos. Viu-se que o movimento da mesa obedecia a uma vontade, que ela se dirigia para a direita, para a esquerda, para uma determinada pessoa; que, conforme lhe fosse ordenado, se erguia sobre um ou dois pés, batia o número pedido de pancadas, marcava compasso, etc. Logo, portanto, se evidenciou que a causa não era puramente física e, em face axioma segundo o qual — se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente tem uma causa inteligente — concluiu-se que a causa daquele fenômeno tinha de ser uma inteligência.
De que natureza seria esta? Tal a questão. A primeira ideia que surgiu foi a de que aquilo podia ser um reflexo da inteligência do médium ou dos assistentes, mas a experiência demonstrou bem depressa a impossibilidade de ser assim, porque se conseguiram resultados inteiramente estranhos ao pensamento e aos conhecimentos das pessoas presentes e mesmo em contradição com suas ideias, seus desejos e vontades. A inteligência, pois, só podia pertencer a uma entidade invisível.
O meio de se tirar a prova era muito simples: reduzia-se a travar conversação com essa entidade, o que foi conseguido, convencionando-se que um certo número de pancadas significaria sim ou não, ou designaria as letras do alfabeto. Obtiveram-se deste modo respostas às diversas questões formuladas. A esse fenômeno se deu o nome de mesas falantes. Todos os seres que de tal forma se comunicaram, perguntando-se-lhes o que eram, declararam ser Espíritos e pertencer ao mundo invisível.
Como em grande número de localidades os mesmos efeitos se reproduzissem, por intermédio de pessoas diversas, e fossem observados por homens muito sérios e muito esclarecidos, afastada ficou a hipótese de uma ilusão.
Da América o fenômeno passa para a França e ganha o resto da Europa, onde, durante alguns anos, as mesas girantes e falantes estiveram em moda e se tornaram o divertimento dos salões, até que, fartos dele, o deixaram de lado, em busca de outra distração. Não demorou se apresentasse sob um novo aspecto, que o fez sair do domínio da simples curiosidade. Os limites deste resumo não nos permitem acompanhá-lo em todas as suas fases. Assim, abordaremos, sem transição, o que ele oferece de mais característico, o que principalmente prendeu a atenção das pessoas criteriosas.
Antes de tudo, digamos, de passagem, que a realidade do fenômeno encontrou logo numerosos contraditores. Uns, sem levarem em conta o desinteresse e a honradez dos experimentadores, não viram naquilo mais do que um malabarismo, um habilíssimo golpe de mágica. Os que nada admitem fora da matéria, que só acreditam no mundo visível e pensam que tudo morre com o corpo, os materialistas, os que, numa palavra, se qualificam a si mesmos de espíritos fortes, lançaram a existência dos Espíritos invisíveis ao rol das fábulas absurdas; tacharam de loucos os que tomaram a coisa a sério e os carregaram de sarcasmos e zombarias. Outros, não podendo negar os fatos, mas obedecendo a uma determinada ordem de ideias, atribuíram os fenômenos à influência exclusiva do diabo, e, por esse meio, trataram de amedrontar os tímidos. Hoje, porém, o medo do diabo já está com o seu prestígio extraordinariamente diminuído. Tanto se falou dele, de tantos modos o pintaram, que todo o mundo se familiarizou com essa ideia, acontecendo mesmo que muitos acharam conveniente aproveitar a ocasião para verificarem o que o diabo é realmente. Daí resultou que, afora um número reduzido de mulheres timoratas, a notícia da chegada do diabo oferecia alguma coisa de atraente para os que até então só o tinham visto em pintura ou no teatro; foi, assim, para muita gente, um forte estimulante, de modo que aqueles que intentaram, por esse meio, opor barreira às ideias realizaram o contrário do que pretendiam: tornaram-se, sem o quererem, propagandistas delas, e, quanto mais clamaram, tanto mais propaganda fizeram. Os outros críticos não lograram melhor êxito, porque a fatos comprovados, a raciocínios categóricos, não puderam contrapor senão simples negação. Lede o que publicaram e só encontrareis a prova da ignorância e da falta de observação séria dos fatos; em lugar nenhum a demonstração peremptória da impossibilidade de se darem. Toda a argumentação de que se socorreram resume-se nisto: Não creio, logo isto não é verdade; todos os que acreditam nisto são loucos; nós somente temos o privilégio da razão e do bom senso. É incalculável o número de adeptos feitos pela crítica séria ou galhofeira, porque entre os críticos ninguém nada mais encontra além de opiniões pessoais, destituídas de provas em contrário daquilo que se abalançam a criticar.
Prossigamos a nossa exposição.
As comunicações por meio de pancadas eram lentas e incompletas. Reconheceu-se que, adaptado um lápis a um objeto móvel, cesta, prancheta ou outro, sobre o qual se colocassem os dedos, esse instrumento se punha a mover-se e traçava caracteres. Mais tarde se compreendeu que tais objetos não passavam de acessórios perfeitamente dispensáveis. A experiência demonstrou que, atuando o Espírito sobre um corpo inerte para dirigi-lo à vontade, podia do mesmo modo atuar sobre o lápis, sobre o braço, ou sobre a mão de uma pessoa, para mover o lápis. Apareceram então os médiuns escreventes, isto é, pessoas que escreviam, involuntariamente, sob a impulsão dos Espíritos, aos quais serviam assim de instrumentos e intérpretes.
Desde aí, as comunicações não tiveram mais limites, e a permuta de pensamentos se pôde efetuar com a mesma rapidez e o mesmo desenvolvimento que entre os vivos. Era um vasto campo a explorar, era um mundo novo, o mundo dos invisíveis que se descobria, assim como mediante o microscópio se descobrira o mundo dos infinitamente pequenos. Que são esses Espíritos? Que papel representam no universo? Com que fim se comunicam com os mortais? Foram estas as primeiras questões que se tratou de resolver.
Veio-se a saber, pelo que eles próprios disseram, que os Espíritos não são seres à parte na criação, e sim as almas dos que viveram na Terra, ou em outros mundos; que essas almas, depois de terem despido o invólucro corporal, povoam e percorrem o espaço. Não mais se pôde duvidar disso, desde que muitos tiveram de reconhecer parentes e amigos entre essas almas e com elas lograram entrar em comunicação; desde que esses parentes e amigos vieram dar a prova de que existiam, demonstrar que apenas seus corpos morreram, que suas almas ou Espíritos continuam a viver, que estão perto daqueles a quem amaram, vendo-os, observando-os, como quando vivos, cercando-os de cuidados e encontrando grande satisfação em serem por eles lembrados.
Em regra se faz dos Espíritos uma ideia completamente falsa. Eles não são, como muitos o supõem, seres abstratos, vagos, indefinidos, alguma coisa semelhante a um clarão, a uma centelha; são, ao contrário, seres reais, que têm individualidade e forma determinada. Pode fazer-se deles uma ideia aproximada pela explicação seguinte.
Há no homem três coisas essenciais:
1.º, a alma ou Espírito, princípio inteligente no qual residem o pensamento, a vontade e o senso moral;
2.º, o corpo, envoltório material, pesado e grosseiro, que põe o Espírito em relação com o mundo exterior visível;
3.º, o perispírito, envoltório fluídico, imponderável, que serve de laço e intermediário entre o Espírito e o corpo.
Tanto que o invólucro exterior, o corpo de carne, por usado, não mais pode funcionar, tomba, e o Espírito se despoja dele como o fruto e a árvore se despojam de suas cascas — numa palavra, como nós abandonamos uma roupa inservível. É o que se chama a morte. A morte, portanto, não é mais do que a destruição do invólucro grosseiro do Espírito. Só o corpo morre; o Espírito, não. Durante a vida, o Espírito se acha, de certa forma, comprimido pelos laços da matéria a que está unido e que muitas vezes lhe paralisa as faculdades. A morte do corpo o liberta desses laços. O Espírito se desprende deles e recobra a liberdade, como a borboleta que abandona a crisálida. Apenas deixa, porém, o corpo material; conserva o perispírito, que constitui para ele uma espécie de corpo etéreo, vaporoso, para nós imponderável e de forma humana, que parece ser a forma tipo.
No estado normal, o perispírito é invisível, mas o Espírito pode fazê-lo experimentar certas modificações que o tornem momentaneamente perceptível à vista e mesmo ao tato do homem, como muito sucede com o vapor condensado. É assim que muitas vezes se nos mostram nas aparições. Por meio do perispírito é que o Espírito atua sobre a matéria inerte e produz os diversos fenômenos de ruídos, de movimentos, de escrita, etc.
As pancadas e os movimentos constituem, para os Espíritos, meios de assinalarem a sua presença e de chamarem sobre si a atenção, exatamente como faz uma pessoa que bate para anunciar que alguém ali está. Alguns não se contentam com ruídos moderados; vão ao extremo de produzirem barulho semelhante ao de louça que se quebra, ao de portas que se abrem e fecham com estrondo, ou ao de móveis atirados ao chão.
Mediante pancadas e movimentos convencionados, puderam exprimir seus pensamentos, mas a escrita lhes oferece o meio mais prático, mais rápido e mais cômodo de o fazerem. É, por isso, o que eles preferem. Assim como podem conseguir que a mão sobre que atuam forme letras, também podem obter que trace desenhos, escreva música, execute um trecho musical em qualquer instrumento. Em suma, na falta de um corpo físico, que não possuem, servem-se do do médium para se manifestarem aos homens de maneira sensível.
Os Espíritos podem ainda manifestar-se de muitos modos; entre outros, pela visão e pela audição. Certas pessoas, chamadas médiuns audientes, têm a faculdade de ouvi-los, podendo assim conversar com eles. Outros os veem: são os médiuns videntes. Os Espíritos, que se manifestam fazendo-se visíveis, em geral se apresentam sob forma análoga à que tinham quando vivos, porém vaporosa. Doutras vezes, essa forma reveste todas as aparências de um ser vivo, causando ilusão tão completa que são tomados por indivíduos de carne e osso, com os quais os que os viram puderam conversar e trocar apertos de mãos, sem suspeitarem que tratavam com Espíritos, até o momento em que estes subitamente desapareceram.
A faculdade de ver permanentemente os Espíritos em geral é muito rara, mas as aparições individuais são bastante frequentes, sobretudo no momento da morte. Dir-se-ia que o Espírito que acaba de desprender-se da matéria tem pressa de tornar a ver seus parentes e amigos, como que para os avisar de que vem de deixar a Terra e para lhes afirmar que continua a viver.
Todo aquele que perscrutar suas recordações verá quantos fatos autênticos deste gênero ocorreram consigo, sem que lhes houvesse prestado atenção, não só à noite durante o sono, mas também em pleno dia, no estado de completa vigília. Outrora esses fatos passavam por sobrenaturais e maravilhosos, sendo atribuídos à magia e à feitiçaria; hoje os incrédulos os lançam à conta da imaginação. Mas, desde que a ciência espírita forneceu a explicação deles, sabe-se como se produzem, e que não estão fora da órbita dos fenômenos naturais.
Ainda há quem acredite que os Espíritos, pela simples razão de serem Espíritos, devem possuir a suprema ciência e a suprema sabedoria. Isto é um erro, o que a experiência não tardou a demonstrar. Entre as comunicações dadas pelos Espíritos, muitas há que são sublimes pela profundeza, pela eloquência, pela sabedoria, pela moral, e que só exalam bondade e benevolência. Ao lado dessas, porém, há as muito vulgares, levianas, triviais, mesmo grosseiras, e outras ainda pelas quais o Espírito revela os mais perversos instintos. É, pois, evidente que não podem promanar todas da mesma fonte, e que, assim como há Espíritos bons, também os há maus. Não sendo os Espíritos mais do que as almas dos homens, não podem eles tornar-se perfeitos só pelo deixarem seus corpos. Enquanto não hajam progredido, conservam as imperfeições da vida corporal. Daí vem que se nos apresentam em todos os graus de bondade e de maldade, de saber e de ignorância.
Os Espíritos geralmente têm prazer em se comunicarem conosco. Encontram satisfação em verificarem que não foram esquecidos. Descrevem de boa vontade suas impressões ao deixarem a Terra, e a nova situação em que se acham. Uns são muito felizes, outros desgraçados, alguns sofrendo mesmo tormentos horríveis: tudo conforme viveram, conforme ao emprego bom ou mau, útil ou inútil, que deram à vida. Observando-os em todas as fases da sua nova existência, tendo-se em vista as posições que ocuparam na Terra, o gênero de morte que sofreram, seus caracteres e hábitos como homens, chega-se a um conhecimento, senão completo, pelo menos muito preciso do mundo invisível, para que se calcule qual virá a ser o nosso estado futuro, e pressentir a sorte feliz ou desgraçada que nos espera.
As instruções dadas pelos Espíritos de ordem elevada, sobre todos os assuntos que interessam à humanidade, bem como as respostas que deram às questões que lhes foram propostas, recolhidas e coordenadas cuidadosamente, constituem toda uma ciência, toda uma doutrina moral e filosófica, sob a denominação de Espiritismo. O Espiritismo é, pois, a doutrina fundada sobre a existência, nas manifestações e nos ensinos dos Espíritos. Essa doutrina se acha exposta de modo completo no Livro dos Espíritos, quanto à parte filosófica, no Livro dos médiuns, quanto à parte prática e experimental, e no Evangelho segundo o Espiritismo, quanto à parte moral. Pela análise que aqui vamos fazer dessas obras, poder-se-á julgar da variedade, da extensão e da importância das matérias que elas compreendem.
Como já mostramos, o Espiritismo teve o seu ponto de partida no fenômeno vulgar das mesas girantes. Acontecendo, porém, que esses fatos falam mais aos olhos do que à inteligência, que despertam mais a curiosidade do que o sentimento, uma vez satisfeita aquela, eles, por isso mesmo que não eram compreendidos, diminuíram de interesse. Outro tanto não sucedeu desde que a teoria lhes veio explicar a causa. Sobretudo, quando se verificou que das mesas girantes, com que durante algum tempo muitos se divertiram, surgia uma doutrina moral que fala à alma, que dissipa as angústias da dúvida, que satisfaz a todas essas aspirações que um ensinamento incompleto acerca do futuro da humanidade deixara na incerteza, as pessoas sérias acolheram a nova doutrina como um benefício, e, desde então, longe de fenecer, ela cresceu com incrível rapidez. Em poucos anos, conquistou, em todos os países do mundo e especialmente entre as classes da gente mais esclarecida, inúmeros partidários, cuja multidão aumenta de dia para dia numa proporção extraordinária, de tal sorte que hoje se pode dizer que o Espiritismo conquistou direito de cidade. As bases em que assenta desafiam os esforços dos adversários mais ou menos interessados em combatê-lo, e a prova é que os ataques e críticas não lhe têm entorpecido a marcha um só instante. É este um fato cuja realidade a experiência atesta e para o qual os antagonistas da nova doutrina não puderam encontrar explicação. Os espíritas se limitam a dizer que, se ele se propaga, não obstante a crítica que se lhe faz, é que os homens o acham bom e preferem o seu raciocínio ao dos que o combatem.
Todavia, o Espiritismo não é uma descoberta moderna. Os fatos e os princípios sobre que ele repousa se perdem na noite dos tempos, pois que deles se encontram traços nas crenças de todos os povos, em todas as religiões, na maioria dos escritores sagrados e profanos. Simplesmente, porque observados de modo incompleto, os fatos foram quase sempre interpretados de acordo com as ideias supersticiosas da ignorância, e ninguém lhes deduziu todas as consequências.
Efetivamente, o Espiritismo se funda na existência dos Espíritos; mas, não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, é claro que desde que há homens há Espíritos. O Espiritismo não os descobriu, nem os inventou. Se as almas ou Espíritos podem manifestar-se aos homens, é que isso está na natureza, e, assim, é evidente que desde todos os tempos eles o puderam fazer. Daí vem que em todos os tempos e por toda parte se encontra a prova dessas manifestações, que sobretudo abundam nas narrações bíblicas.
O que é moderno é apenas a explicação lógica dos fatos, o conhecimento mais completo da natureza dos Espíritos, do papel que desempenham, da maneira por que atuam; é a revelação do nosso estado futuro; é, enfim, a constituição de tudo isso em corpo de ciência e de doutrina, com as suas diversas aplicações. Os antigos conheciam o princípio; os modernos conhecem as minúcias. Na Antiguidade, o estudo de tais fenômenos era privilégio de certas castas, que só os revelavam aos iniciados nos seus mistérios. Na Idade Média, os que com eles se ocupavam ostensivamente eram tidos por feiticeiros e, como tais, queimados. Hoje, não há mistérios para quem quer que seja, não mais se queima ninguém. Tudo se passa à luz meridiana e todos podem esclarecer-se e praticar, visto que por toda parte existem médiuns.
A própria doutrina que os Espíritos hoje ensinam nada tem de novo. Ela se encontra, fragmentada, na maioria dos filósofos da Índia, do Egito e da Grécia, e, toda inteira, nos ensinos do Cristo. Que vem fazer então o Espiritismo? Vem confirmar por meio de novos testemunhos; demonstrar, por fatos, verdades desconhecidas ou mal compreendidas; restabelecer o sentido das que foram mal interpretadas.
O Espiritismo nada de novo ensina, é certo. Mas não valerá nada provar ele, de modo patente, irrecusável, a existência da alma, sua sobrevivência ao corpo, sua individualidade após a morte, sua imortalidade, as penas e recompensas futuras? Quanta gente há que acredita nessas coisas, mas com um vago sentimento de incerteza e que no seu foro íntimo diz: “E se, entretanto, nada disso for real?” Quantos têm sido levados à incredulidade por lhes haverem apresentado o futuro sob um aspecto que lhes repugnou à razão admitir! Não valerá nada, então, poder o crente que vacila dizer a si mesmo: “agora tenho a certeza”? Não valerá nada poder cego tornar a ver a luz? Pelos fatos e pela sua lógica, o Espiritismo vem suprimir a ansiedade que a dúvida ocasiona e restituir a fé ao que dela se apartara. Revelando-nos a existência do mundo invisível que nos cerca e em meio do qual vivemos sem que o suspeitemos, ele nos dá a conhecer, mediante o exemplo que oferecem os que viveram na Terra, as condições da nossa felicidade ou da nossa desgraça futuras; explica a causa dos nossos sofrimentos neste mundo e a maneira de os suavizarmos. Sua propagação terá por efeito inevitável a destruição das doutrinas materialistas, que não podem resistir à evidência. O homem, convencido da grandeza e da importância da sua existência futura, que é eterna, a compara com a incerteza da vida terrena, tão curta, e se eleva pelo pensamento acima das mesquinhas considerações humanas. Conhecendo a causa e a razão de ser das suas misérias, suporta-as com paciência e resignação, porque sabe que são o meio de chegar a um estado melhor. O exemplo dos que vêm do outro mundo descrever suas alegrias ou suas dores, provando a realidade da vida futura, prova ao mesmo tempo que a justiça de Deus não deixa vício algum sem punição e nenhuma virtude sem recompensa. Acrescentemos, por último, que as comunicações com os entes caros que perdemos proporcionam uma doce consolação, provando não só que eles existem, como ainda que estamos separados deles menos do que quando vivos num país estranho.
Em resumo, o Espiritismo suaviza o amargor das aflições da vida, acalma os desesperos e as agitações da alma, dissipa as incertezas ou os terrores do futuro, afasta a ideia da abreviação da vida pelo suicídio. Por isso mesmo, torna felizes todos os que dele se compenetram e esse é o grande segredo da sua rápida propagação.
Do ponto de vista religioso, o Espiritismo tem por base as verdades fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, a imortalidade, as penas e as recompensas futuras; mas independe de qualquer culto particular. Seu objetivo é provar, aos que negam ou duvidam, que a alma existe e sobrevive ao corpo, que experimenta após a morte as consequências do bem ou do mal que tenha feito durante a vida corporal. Ora, isso é de todas as religiões.
Como crença nos Espíritos, ele é igualmente de todas as religiões, do mesmo modo que é de todos os povos, pois que, onde quer que haja homens, há almas ou Espíritos, já que as manifestações são de todos os tempos e a narração delas se encontra em todas as religiões, sem exceção alguma. Pode-se, portanto, ser católico, grego ou romano, protestante, judeu ou muçulmano, e crer nas manifestações dos Espíritos e ser, conseguintemente, espírita. A prova é que o Espiritismo tem aderentes em todas as seitas.
Como moral, é essencialmente cristão, porquanto a que ele ensina não é senão o desdobramento e a aplicação da do Cristo, a mais pura de todas e cuja superioridade ninguém contesta, prova evidente de que ela é a lei de Deus. Ora, a moral é para uso de todo o mundo.
Independendo de qualquer forma de culto, não prescrevendo nenhum e não se ocupando com os dogmas particulares, o Espiritismo não é uma religião especial, visto que não tem sacerdotes, nem templos. Aos que lhe perguntam se fazem bem seguindo tal ou tal prática, responde: Fazei-o, se credes que a vossa consciência o exija; Deus leva sempre em conta a intenção. Numa palavra, ele não se impõe a ninguém, não se dirige aos que têm fé e a julguem bastante, mas à numerosa categoria dos vacilantes e dos incrédulos. Estes ele não os arrebata à Igreja, visto que, no todo ou em parte, já se separaram dela moralmente. Apenas os leva a percorrer os três quartos do caminho, para nela entrarem, cabendo-lhe a ela fazer o resto.
O Espiritismo combate, é verdade, algumas crenças, tais como a eternidade das penas, o fogo material do inferno, a personalidade do diabo, etc. Mas não é verdade que essas crenças, impostas como absolutas, por todos os tempos fizeram incrédulos e ainda hoje os fazem diariamente? Se o Espiritismo, ao dar de alguns e outros dogmas uma interpretação racional, reaproxima da fé aqueles que a tinham abandonado, ele não está prestando serviço à religião? É assim que um venerável eclesiástico disse: “O Espiritismo faz crer em alguma coisa. Ora, é melhor crer em alguma coisa do que não crer em coisa nenhuma.”
Não sendo os Espíritos senão as almas, não se pode negar os Espíritos sem negar a alma. Admitidas as almas ou Espíritos, a questão, na sua expressão mais simples, se reduz a isto: As almas dos que morreram podem comunicar-se com os vivos?
O Espiritismo responde pela afirmativa e o prova com fatos materiais. Que prova se poderá dar de que isso não é possível? Se é, nem todas as negações do mundo impedirão que assim seja, porquanto não se trata nem de um sistema, nem de uma teoria, mas de uma lei na natureza. Ora, contra as leis da natureza a vontade do homem não tem poder. Forçoso é que, bom ou mau grado, aceitemos suas consequências e a elas conformemos as nossas crenças e hábitos.
Em uma exposição tão sumária não se pode, certamente, esperar ter a solução de todas as questões que emergem de um problema tão importante. O Espiritismo, como todas as ciências, não pode ser dominado senão pelo estudo. Então, para aqueles que desejam se aprofundar, nós os remetemos às obras que tivemos publicado sobre a matéria. Eles aí encontrarão todos os desenvolvimentos necessários e a resposta a todas as objeções que poderiam fazer.
Resumo do ensinamento dos Espíritos.
Pode-se ter uma ideia do conjunto da doutrina ensinada pelos Espíritos pelo resumo que lhe fazemos abaixo:
1. Deus é a inteligência suprema, a causa primária de todas as coisas. É eterno, único, imaterial, imutável, onipotente, soberanamente justo e bom. É necessariamente infinito em todas as suas perfeições, porquanto, se as supuséssemos imperfeito um só de seus atributos, ele já não seria Deus.
2. Deus criou a matéria que constitui os mundos. Também criou seres inteligentes, a que chamamos Espíritos, encarregados de administrar os mundos materiais, segundo as leis imutáveis da criação, e que são perfectíveis por natureza. Aperfeiçoando-se, aproximam-se da Divindade.
3. O Espírito, propriamente dito, é o princípio inteligente. Desconhecemos-lhe a natureza íntima. Para nós, é imaterial, porque nenhuma analogia tem com o que chamamos matéria.
4. Os Espíritos são seres individuais. Têm um invólucro etéreo, imponderável, chamado perispírito, espécie de corpo fluídico, tipo da forma humana. Povoam o espaço e o percorrem com a rapidez do relâmpago. Constituem o mundo invisível.
5. A origem e o modo de criação dos Espíritos nos são desconhecidos. Sabemos apenas que são criados simples e ignorantes, isto é: sem ciência e sem conhecimento do bem e do mal, mas com igual aptidão para tudo, porquanto Deus, em sua justiça, não podia isentar uns do trabalho que impusesse a outros para chegarem à perfeição. No princípio, eles se encontram numa espécie de infância, sem vontade própria, e sem perfeita consciência de sua existência.
6. Com o desenvolver-se nos Espíritos o livre arbítrio, ao mesmo tempo que as ideias, Deus lhes diz: “Podeis todos aspirar à suprema felicidade, quando houverdes adquirido os conhecimentos que vos faltam e desempenhado a tarefa que vos imponho. Trabalhai, pois, pelo vosso adiantamento. Essa é a meta. Alcançá-la-eis seguindo as leis que gravei na vossa consciência.”
Por efeito do livre arbítrio, uns tomam o caminho mais curto, que é o do bem; outros o mais longo, que é o do mal.
7. Deus não criou o mal. Estabeleceu leis e estas são sempre boas, porque ele é soberanamente bom. Aquele que as cumprisse fielmente seria perfeitamente feliz. Mas, dotados do livre arbítrio, os Espíritos nem sempre as cumprem, e o mal lhes advém da sua desobediência. Pode, pois, dizer-se que o bem é tudo o que é conforme à lei de Deus, e o mal, tudo o que lhe é contrário. 8. Para, como agentes da potência divina, cooperarem na obra dos mundos materiais, os Espíritos tomam temporariamente um corpo material. Pelo trabalho a que os obriga a existência material, eles aperfeiçoam a inteligência e, cumprindo a lei de Deus, adquirem os méritos que os levarão à felicidade eterna.
9. A encarnação não foi imposta ao Espírito, a princípio, como punição. Ela é necessária ao desenvolvimento e à execução das obras de Deus. Todos a têm que sofrer, quer tomem o caminho do bem, quer enveredem pelo do mal. Simplesmente, os que seguem o do bem, como avançam mais depressa, menos tempo gastam para chegar ao fim e chegam em condições menos penosas.
10. Os Espíritos encarnados constituem a humanidade, que não é somente a que se acha circunscrita à Terra, mas compreende a que povoa todos os mundos disseminados pelo espaço.
11. A alma do homem é um Espírito encarnado. Para secundá-lo no desempenho de sua tarefa, Deus lhe deu, como auxiliares, os animais que lhe estão submetidos e cuja inteligência e caráter correspondem às suas necessidades.
12. O aperfeiçoamento do Espírito é fruto de seu próprio trabalho. Não podendo, numa só existência corpórea, adquirir todas as qualidades intelectuais e morais que o hão de conduzir ao fim que lhe está assinado, ele o atinge mediante uma sucessão de existências, em cada uma das quais dá alguns passos para a frente, no caminho do progresso.
13. Em cada existência corporal, o Espírito tem que desempenhar uma tarefa proporcionada ao seu desenvolvimento. Quanto mais rude e trabalhosa ela é, tanto mais mérito tem ele em a executar. Cada existência constitui assim uma prova, que o aproxima do fim. O número dessas existências é indeterminado. Depende da vontade que o Espírito tenha de reduzi-lo, trabalhando ativamente pelo seu progresso moral, do mesmo modo que da vontade do obreiro, a quem um trabalho esteja confiado, depende ser maior ou menor o número dos dias que gaste em executá-lo.
14. Quando uma existência foi mal-empregada, fica sem proveito para o Espírito, que a tem de recomeçar, em condições mais ou menos penosas, conforme a sua negligência e a sua má vontade. É assim que, na vida, qualquer de nós pode achar-se adstrito a fazer no dia seguinte o que não fez na véspera, ou a tornar a fazer o que foi malfeito.
15. A vida espiritual é a vida normal do Espírito: é eterna. A vida corporal é transitória e passageira: não é mais do que um instante na eternidade.
16. No intervalo de suas existências corporais, o Espírito é errante. O período de erraticidade não tem duração determinada. Nesse estado, o Espírito é feliz ou desgraçado, conforme o bom ou mau uso que fez da sua última existência; estuda as causas que apressaram ou retardaram o seu adiantamento; toma as resoluções que procurará pôr em prática na sua próxima encarnação e escolhe as provas que lhe pareçam mais apropriadas ao seu adiantamento. Algumas vezes, porém, se engana, ou sucumbe, não se mantendo fiel, como homem, às resoluções que tomou como Espírito.
17. O Espírito culpado é punido por meio de sofrimentos morais no mundo dos Espíritos e pelos sofrimentos físicos e morais na vida corporal. Suas aflições são a consequência de suas faltas, isto é, das suas infrações à lei de Deus, de sorte que constituem, ao mesmo tempo, uma expiação do passado e uma prova para o futuro. É assim que o orgulhoso poderá vir a ter uma existência de humilhação, o tirano uma de escravidão, o mau rico uma de miséria.
18. Há mundos apropriados aos diferentes graus de adiantamento dos Espíritos e onde a existência corporal apresenta condições muito diferentes. Quanto menos adiantado é o Espírito, tanto mais pesados e materiais são os corpos que toma. À medida que se purifica, passa para mundos superiores, moral e fisicamente. A Terra não é o primeiro, nem o último, porém um dos mais atrasados.
19. Os Espíritos culpados encarnam nos mundos menos adiantados, onde expiam suas faltas pelas tribulações da vida material. Esses mundos são, para tais Espíritos, verdadeiros purgatórios, deles dependendo o deixá-los mais cedo ou mais tarde, conforme trabalhem pelo seu próprio aperfeiçoamento moral. A Terra é um desses mundos.
20. Sendo soberanamente justo e bom, Deus não condena suas criaturas a castigos perpétuos por faltas temporárias. Oferece-lhes a todos tempo e meios de progredirem e repararem o mal que tenham feito. Deus perdoa, mas exige o arrependimento, a reparação e o encaminhamento para o bem. Segue-se que a duração do castigo é proporcionada à persistência do Espírito no mal; que, por conseguinte, o castigo só seria eterno para aquele que eternamente permanecesse no mau caminho. Desde, porém, que um lampejo de arrependimento se produz no coração do culpado, Deus estende sobre ele a sua misericórdia. A eternidade das provas deve, portanto, ser entendida num sentido relativo e não em um sentido absoluto.
21. Os Espíritos, ao encarnarem, trazem consigo o que adquiriram em suas precedentes existências. Essa a razão por que os homens mostram instintivamente aptidões especiais, pendores bons ou maus, que parecem inatos neles.
Os maus pendores naturais são restos das imperfeições de que o Espírito ainda se não despojou inteiramente. São também os indícios das faltas que cometeu, o verdadeiro pecado original. Em cada existência tem ele que se lavar de algumas impurezas.
22. O esquecimento das existências anteriores é um benefício feito por Deus, que, em sua bondade, quis poupar ao homem recordações quase sempre penosas. Em cada nova existência o homem é o que ele próprio se fez. Cada uma lhe é um novo ponto de partida. Conhece seus defeitos atuais, sabe que estes defeitos são a consequência dos que tinha antes, infere daí o mal que possa ter cometido, e isso lhe basta para que trabalhe para se corrigir. Se teve outrora defeitos de que já se acha isento, não tem mais que se preocupar com eles. Para objeto de seus cuidados chegam as suas imperfeições presentes.
23. Se a alma não viveu anteriormente, é que foi criada ao mesmo tempo que o corpo. Nessa hipótese, nenhuma relação pode haver entre ela e as que a precederam. Como é possível, então, que Deus, que é infinitamente justo e bom, a tenha feito responsável pela falta do pai do gênero humano, impondo-lhe carregue a mácula de um pecado original que ela não cometeu? Dizendo-se, ao contrário, que, ao renascer, traz o gérmen das imperfeições de suas existências anteriores, que sofre, na existência atual, as consequências de suas faltas passadas, dá-se do pecado original uma explicação lógica, que todos podem compreender e admitir, porque a alma só é responsável pelas suas próprias obras.
24. A diversidade das aptidões inatas, morais e intelectuais é a prova de que a alma já viveu. Se houvesse sido criada ao mesmo tempo que o seu corpo atual, o ter feito umas mais adiantadas do que outras não estaria conforme com a bondade de Deus. Por que selvagens e homens civilizados, bons e maus, tolos e inteligentes? Dizendo-se que uns têm vindo mais do que outros e que, portanto, já adquiriu mais do que estes, tudo se explica.
25. Se a existência atual fosse única e só ela devesse decidir do futuro da alma na eternidade, qual seria a sorte das crianças que morrem em tenra idade? Não tendo feito bem, nem mal, não merecem recompensa, nem punição. Desde que, segundo a palavra do Cristo, cada um é recompensado de acordo com as suas obras, elas não têm direito à pura felicidade dos anjos, nem merecem ficar privadas dessa felicidade. Reconhecei que poderão, em outra existência, realizar o que não puderam fazer na que tão pouco durou, e todas as exceções desaparecerão.
26. Igualmente, qual seria a sorte dos cretinos e dos idiotas? Nenhuma consciência tendo do mal, nenhuma responsabilidade têm de seus atos. Deus seria justo e bom se houvesse criado almas estúpidas, para votá-las a uma existência miserável e sem compensação? Admiti, ao contrário, que a alma do cretino e do idiota é um Espírito que está sendo punido num corpo impróprio a transmitir o seu pensamento, corpo no qual ele se acha como um homem todo amarrado, e nada aí descobrireis que não seja conforme à justiça de Deus.
27. Através dessas encarnações sucessivas, o Espírito, tendo-se pouco a pouco despojado de suas impurezas e aperfeiçoado pelo trabalho, chega ao termo de suas existências corpóreas. Passa então a pertencer à categoria dos puros Espíritos ou anjos e goza ao mesmo tempo da vida completa de Deus e de uma felicidade sem mescla, por toda a eternidade.
28. Sendo os homens Espíritos em expiação na Terra, Deus, como bom pai que é, não os deixou entregues a si mesmos, sem guias. Têm, primeiramente, os Espíritos seus protetores, ou anjos guardiães, que por eles velam e se esforçam por fazê-los trilhar o bom caminho. Têm ainda os Espíritos em missão na Terra, Espíritos superiores, que de tempos a tempos encarnam entre eles para, pelos seus trabalhos, lhes iluminarem o caminho, fazendo avançar a humanidade. Conquanto haja gravado a sua lei na consciência da criatura, a Deus aprouve formulá-la explicitamente. Por isso, enviou-lhe primeiro Moisés. Mas as leis de Moisés eram apropriadas aos homens do seu tempo, aos quais ele apenas falou da vida terrena, de penas e recompensas temporais. Veio em seguida o Cristo completar a lei de Moisés, por meio de um ensino mais elevado: a pluralidade das existências, a vida espiritual*, as penas e recompensas morais. Moisés os conduziu pelo terror; o Cristo, pelo amor e pela caridade.
* Evangelhos de Mateus, cap. XVII, v. 10 e seguintes; João, cap. II, v. 2 e seguintes.
29. O Espiritismo, melhor compreendido hoje, acrescenta, para os incrédulos, a evidência à teoria; prova a realidade do futuro por fatos patentes; diz, em termos claros e inequívocos, o que o Cristo disse por parábolas; explica as verdades desconhecidas ou falsamente interpretadas; revela a existência do mundo invisível ou dos Espíritos e inicia o homem nos mistérios da vida futura; vem combater o materialismo, que é uma revolta contra o poder d Deus; vem, finalmente, estabelecer entre os homens o reinado da caridade e da solidariedade, anunciado pelo Cristo. Moisés lavrou, o Cristo semeou; o Espiritismo vem colher.
30. O Espiritismo não é uma luz nova, porém uma luz mais brilhante, porque surge de todos os pontos do globo, por intermédio dos que viveram na Terra. Tornando evidente o que era obscuro, põe termo às interpretações errôneas e ligará todos os homens por uma só crença, porque não reconhece mais que um só Deus e porque suas leis são as mesmas para todos. Assinala, enfim, a era predita pelo Cristo e pelos profetas.
31. Os males que afligem os homens na Terra se originam do orgulho, do egoísmo e de todas as más paixões. Pelo contato de seus vícios, os homens se tornam reciprocamente desgraçados e se punem uns aos outros. Desde que a caridade e a humildade substituam o egoísmo e o orgulho, eles não mais cuidarão de se prejudicar mutuamente; respeitarão os direitos de cada um e farão entre si reinem a concórdia e a justiça.
32. Mas, como destruir o egoísmo e o orgulho, que parecem inatos no coração do homem? O egoísmo e o orgulho existem no coração do homem, porque os homens são Espíritos que de princípio tomaram o caminho do mal e foram exilados para a Terra, punidos por aqueles mesmos vícios. É esse o pecado original de que muitos não se acham expurgados. Pelo Espiritismo, Deus faz um último apelo para a prática da lei que o Cristo ensinou: a lei de amor e de caridade.
33. Tendo chegado o momento determinado para que a Terra se torne morada de paz e felicidade, Deus não quer que os maus Espíritos incarnados continuem a ser nela causa de perturbação, em prejuízo dos bons. Eles, pois, terão que desaparecer; irão expiar o endurecimento de seus corações em mundos menos adiantados, onde recomeçarão a trabalhar pelo próprio aperfeiçoamento, numa série de existências mais desgraçadas e mais penosas do que na Terra.
Formarão nesses mundos uma nova raça mais esclarecida e cuja tarefa consistirá em fazer progredir os seres atrasados que os habitam, auxiliados pelos conhecimentos que há anteriormente adquiriram. De lá não sairão para um mundo melhor senão quando o houverem merecido e assim por diante, até que tenham conseguido a completa purificação. Se a Terra, para eles, era um purgatório, esses mundos serão infernos, mas infernos donde jamais é banida a esperança.
34. Enquanto que a geração proscrita vai desaparecer rapidamente, uma nova geração surge cujas crenças se fundarão no Espiritismo cristão. Assistimos à transição que se opera, prelúdio da renovação moral, cujo advento o do Espiritismo marca.
Máximas extraídas do ensinamento dos Espíritos.
35. O fim essencial do Espiritismo é melhorar os homens. Ninguém procure nele senão o que possa concorrer para o seu progresso moral e intelectual.
36. O verdadeiro espírita não é o que crê nas manifestações, mas aquele que aproveita os ensinos que os Espíritos dão. De nada a ninguém serve crer, se a crença não o levar a dar um passo à frente no caminho do progresso e não o tornar melhor para com o seu próximo.
37. O egoísmo, o orgulho, a vaidade, a ambição, a cobiça, o ódio, a inveja, o ciúme, a maledicência são, para a alma, ervas venenosas, das quais, todos os dias, lhe cumpre arrancar algumas fibras e que têm por contraveneno — a caridade e a humildade.
38. A crença no Espiritismo não é proveitosa senão àquele de quem se pode dizer: vale mais hoje do que ontem.
39. A importância que o homem liga aos bens temporais está em razão inversa da sua fé na vida espiritual. A dúvida com relação ao futuro é que o induz a procurar suas alegrias neste mundo, satisfazendo às suas paixões, ainda que à custa de seu próximo.
40. As aflições terrenas são os remédios da alma. Salvam-na para o futuro, como uma dolorosa operação cirúrgica salva a vida de um doente e lhe restitui a saúde. Eis por que o Cristo disse: “Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados.”
41. Nas vossas aflições, olhai para baixo e não para cima. Pensai nos que sofrem mais do que vós.
42. O desespero é natural naquele que crê que tudo acaba com a vida do corpo. É uma insensatez naquele que tem fé no futuro.
43. O homem é muitas vezes o causador da sua própria desgraça neste mundo. Remonte ele à fonte de seus infortúnios e verá que estes, na maioria dos casos, são o resultado da sua imprevidência, do seu orgulho e da sua avidez e, por conseguinte, das suas infrações às leis de Deus.
44. A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar nele, é aproximar-se dele, é pôr-se em comunicação com ele.
45. Aquele que ora com fervor e confiança é mais forte contra as tentações do mal e Deus lhe envia bons Espíritos para assisti-lo. É um socorro nunca recusado quando pedido com sinceridade.
46. O essencial não é orar muito, mas orar bem. Certas pessoas julgam que todo mérito está na extensão da prece, ao passo que fecham os olhos aos seus próprios defeitos. Para essas pessoas, a prece é uma ocupação, um meio de empregarem o tempo, não um estudo de si mesmas.
47. Aquele que pede a Deus o perdão de suas faltas só o obtém mudando de proceder. As boas ações são a melhor prece, pois os atos da vida valem mais do que as palavras.
48. Todos os bons Espíritos recomendam a prece e todos os Espíritos imperfeitos a pedem como meio de alívio para seus sofrimentos.
49. A prece não pode mudar os decretos da Providência; menos abandonados, porém, se sentem os Espíritos sofredores, verificando que por eles nos interessamos. Sentem-se menos desgraçados. Ela lhes levanta o ânimo e excita neles o desejo de se elevarem pelo arrependimento e pela reparação, e pode desviá-los de pensarem no mal. Neste sentido é que não somente lhes pode dar alívio, como também abreviar-lhes os sofrimentos.
50. Ore cada um segundo suas convicções e de modo que julgue mais conveniente, pois a forma nada vale, o pensamento é tudo. A sinceridade a pureza da intenção, eis o essencial. Um bom pensamento mais vale do que grande número de palavras, que se assemelham ao ruído que faz um moinho com as quais nada tem o coração.
51. Deus fez os homens fortes e poderosos para serem o amparo dos fracos. O forte que oprime o fraco é maldito de Deus. Muitas vezes recebe nesta mesma vida o seu castigo, sem prejuízo dos que o futuro lhe reserve.
52. A fortuna é um depósito do qual o que a possui é apenas usufrutuário, pois que não a leva consigo para o túmulo. Contas severas terá que prestar do emprego que lhe deu.
53. A fortuna é prova mais arriscada do que a miséria, porque é uma tentação para o abuso e os excessos e porque é mais difícil ser-se moderado do que resignado.
54. O ambicioso que triunfa e o rico que se engolfa nos gozos materiais são mais dignos de compaixão do que de inveja, pois que se deve ter em vista o reverso. O Espiritismo, pelos terríveis exemplos dos que, tendo vivido assim, nos vêm revelar qual a sorte que depois tiveram, mostra a verdade desta palavra do Cristo: “Aquele que se elevar será humilhado, e aquele que se humilhar será elevado”.
55. A caridade é a lei suprema do Cristo: “Amai-vos uns aos outros como irmãos; amai ao vosso próximo como a vós mesmos; perdoai aos vossos inimigos; não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam.” Tudo isso se resume na palavra caridade.
56. A caridade não consiste apenas em dar a esmola. Ela se pratica também por pensamentos, palavras e obras. Caridoso por pensamentos é aquele que tem indulgência para as faltas do seu próximo; caridoso por palavras o que nada diz que possa prejudicar ao seu próximo; caridoso por obras o que, na medida de suas forças, assiste o seu próximo.
57. O pobre que reparte o seu pedaço de pão com um outro mais pobre do que ele é mais caridoso e tem mais mérito aos olhos de Deus do que o que dá do que lhe sobra, sem de coisa alguma se privar.
58. Aquele que nutre contra o seu próximo sentimentos de animosidade, de ódio, de ciúme e de rancor, falta à caridade. Mente, se se diz cristão, e ofende a Deus.
59. Homens de todas as castas, de todas as seitas e de todas as cores, sois todos irmãos, porquanto Deus a todos vos chama a si. Estendei-vos, pois, as mãos, qualquer que seja a maneira por que o adoreis, e não vos lanceis anátema uns aos outros, visto que o anátema é a violação da lei de caridade proclamada pelo Cristo.
60. Com o egoísmo, os homens vivem em luta perpétua. Com a caridade, viverão em paz. Só a caridade, servindo-lhes de base às instituições, lhes assegurará a felicidade neste mundo. De acordo com o que disse o Cristo, só ela também lhes pode assegurar a felicidade futura, pela razão de que implicitamente contém todas as virtudes que podem conduzi-los à perfeição. Com a verdadeira caridade, tal como ele a ensinou e praticou, não haverá mais egoísmo, nem orgulho, nem ódio, nem ciúme, nem maledicência; não haverá mais, igualmente, apego desvairado aos bens deste mundo. Eis por que o Espiritismo cristão tem por máxima: “FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO.”
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Incrédulos! Podeis rir dos Espíritos, zombar dos que creem nas suas manifestações. Escarnecei, se ousardes, desta máxima que eles ensinam e constituem a vossa própria salvaguarda, porquanto, se a caridade desaparecesse da face da Terra, os homens se entredevorariam e vós seríeis talvez as primeiras vítimas. Não está longe o tempo em que esta máxima, proclamada abertamente em nome dos Espíritos, será um penhor de segurança e um título à confiança em todos os que a trouxerem gravada nos corações.
Um Espírito disse: “Zombaram das mesas girantes; não zombarão jamais da filosofia e da moral que delas decorrem.” Efetivamente, passados apenas alguns anos, já estamos longe desses primeiros fenômenos que, por um instante, serviram de distração aos ociosos e aos curiosos. É antiquada, dizeis, essa moral: “Os Espíritos deveriam ter bastante espírito para nos darem alguma coisa nova.” (Frase espirituosa de mais de um crítico.) Se ela é antiquada, tanto melhor! Isso prova que é de todos os tempos e, por não a terem praticado, ainda mais culpados se mostram os homens, visto que verdadeiras verdades só as eternas o são.
O Espiritismo lhes vem recordar essa moral, não por meio de uma revelação feita exclusivamente a um homem, mas pela voz dos próprios Espíritos, a qual, semelhante à trombeta final, lhes clama: “Acreditai que aqueles a quem chamais de mortos estão mais vivos do que vós, pois que veem o que não vedes e ouvem o que não ouvis. Reconhecei, nos que vos vêm falar, os vossos parentes e amigos, todos aqueles a quem amastes na Terra e que julgais perdidos para sempre. Ai dos que pensam que tudo acaba com o corpo; cruel será o desengano deles. Ai dos que houverem faltado à caridade; suportarão o que tiverem feito que pelos outros fosse suportado! Escutai a voz dos que sofrem e que vos vêm dizer: “Sofremos por havermos desconhecido o poder de Deus e duvidado da sua misericórdia infinita; sofremos por causa do nosso orgulho, do nosso egoísmo, da nossa avareza e de todas as paixões más que não soubermos reprimir; sofremos por todo o mal que fizemos aos nossos semelhantes, esquecidos da caridade.”
Incrédulos! Dizei se é risível uma doutrina que tais coisas prega, se é boa ou má! Mesmo considerando-a unicamente do ponto de vista da ordem social, dizei se os homens que a praticassem seriam felizes ou desgraçados, melhores ou piores!